
1. O tempo como agente de transformação
Na perspetiva da astrologia psicológica, o tempo é um aliado da alma. Os trânsitos planetários não são meros eventos externos: eles revelam a coreografia simbólica do inconsciente, convidando o ego a atravessar ciclos de morte e renascimento.
Proponho aqui uma analogia poderosa entre os trânsitos planetários e os processos alquímicos, em que cada planeta em trânsito atua como um operador da transformação interior, pressionando o ego a descer à matéria psíquica bruta e nela encontrar o ouro escondido do self (si mesmo).
2. A jornada alquímica e os seus estágios
A alquimia tradicional descreve quatro grandes etapas da magnum opus (a Grande Obra):
- Nigredo: decomposição, escuridão, colapso do ego — a “noite escura da alma”.
- Albedo: clarificação, purificação, surgimento da consciência ampliada.
- Citrinitas: maturação da luz interior — consciência solar emergente.
- Rubedo: união dos opostos, realização do self, o ouro filosófico.
Esses estágios não são lineares. Eles se sobrepõem e se desorganizam para uma futura reorganização. Os trânsitos dos planetas Saturno, Úrano, Neptuno, Plutão, atuam como catalisadores desses processos. São os grandes alquimistas da psique.
3. Trânsitos planetários como agentes alquímicos
Saturno – O grande coagulador: nigredo
Saturno inicia o processo de colapso. Ele endurece, restringe, mostra o esqueleto da realidade. Sob seus trânsitos, estruturas são destruídas, papéis e máscaras deixam de existir e o ego se vê nu diante de suas ilusões. Ele marca a entrada no nigredo: o caos fértil onde a alma será trabalhada.
Saturno ensina a ver. E aquilo que ele mostra é, muitas vezes, o que o ego mais teme reconhecer.
Plutão – O alquimista das profundezas: calcinação e putrefação
Plutão leva ao processo mais fundo: desintegra tudo o que sustenta o desejo, queima emoções e sentimentos e convoca a travessia das regiões infernais da psique. É o arquétipo da morte iniciática. Quando Plutão transita pontos sensíveis do mapa, a alma entra em uma espécie de forno: tudo o que não é essencial se dissolve. É o “solve et coagula” em sua forma mais intensa.
Plutão rasga as máscaras para que o verdadeiro rosto da alma possa emergir.
Úrano – O raio criador: albedo e iluminação
Úrano atua como centelha. Ele corta, irrompe, traz lampejos de visão, intuição e insights. É o princípio do novo e do inesperado. Sob o seu impacto, surgem ideias súbitas, acontecem ruturas criativas e estados de consciência expandida se tornam possíveis. Ele prepara o campo para a clareza, a luz (albedo), mas seu impacto pode ser caótico se o ego tentar resistir.
Úrano traz a luz, mas ela pode cegar antes de revelar o necessário.
Neptuno – O solvente místico: dissolução e inspiração
Neptuno dissolve as fronteiras. Ele enfraquece o ego e abre a porta para o inconsciente pessoal e coletivo. Isso pode ser libertador ou devastador, dependendo da maturidade do ego. Em termos alquímicos, ele atua como o mercúrio alquímico: líquido, escorregadio, espiritual.
É uma etapa necessária para o desprendimento das formas, o desapego das certezas.
Neptuno nos lembra que a alma é água: flui, sente, funde-se com o todo.
Quíron – O curador-ferido: a alma como laboratório vivo
Quíron opera como uma ponte. Ele revela a ferida arquetípica e a necessidade de aceitá-la como parte integrante da totalidade. Com ele, não há transformação sem dor. A sua ação alquímica é paradoxal: a dor se transforma em sabedoria, a ferida em caminho.
Com Quíron, o chumbo se torna precioso não apesar da ferida, mas através dela.
Júpiter – O sentido: rubedo e síntese
Júpiter não costuma ser visto como o planeta da dor, mas sua função é essencial: ele dá sentido e expande a consciência após o mergulho no escuro provocado por Saturno ou Plutão. Em muitos trânsitos importantes, Júpiter surge como aquele que coroa o processo: ele oferece visão, síntese e o porquê de tudo. Ele é a luz da rubedo, a fase final da obra.
O ouro surge quando compreendemos que toda perda que sofremos, continha um sentido oculto.
4. Um exemplo integrado: Saturno e Plutão na obra negra
Quando Saturno e Plutão transitam simultaneamente (como ocorreu em 2020), temos um cenário da nigredo arquetípica: estruturas sociais e pessoais se desmontam e antigos paradigmas são triturados. É o colapso do conhecido.
No plano individual, esses trânsitos podem marcar períodos de depressão, perdas e encerramentos. Sem o nigredo, não há transformação, não há alquimia. A sombra é enfrentada, o ego se desfaz e algo novo começa a renascer das cinzas.
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