
A 21 de maio de 2014, o almirante William H. McRaven proferiu um discurso inspirador na cerimónia de encerramento do ano letivo da Universidade do Texas em Austin. Tendo como mote a divisa da universidade — “O que aqui começa muda o mundo” —, McRaven partilhou dez lições de vida aprendidas ao longo dos seus 37 anos de serviço na Marinha dos Estados Unidos, especialmente durante o treino dos Navy SEALs.
O discurso tornou-se viral, alcançando milhões de visualizações online, e levou McRaven a expandir essas lições no livro Faz a tua cama (edição Arena). Nesta obra, o autor relata histórias pessoais e de colegas, enfatizando valores como determinação, honra e compaixão, aplicáveis a qualquer contexto de vida.
McRaven é reconhecido pela sua carreira militar distinta. Como comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA, supervisionou missões de alto perfil, incluindo a Operação Lança de Neptuno, que resultou na morte de Osama bin Laden em 2011. Após aposentar-se da Marinha, serviu como chanceler do Sistema da Universidade do Texas de 2015 a 2018.
Do livro, publicamos o excerto abaixo:
Não podes fazer tudo sozinho
Se pretendes mudar o mundo... encontra alguém para te ajudar a remar
Aprendi cedo, durante o treino nos SEALs, o valor do trabalho em equipa, e a necessidade de confiar em alguém para nos ajudar nas diferentes tarefas. Para aqueles que eram “girinos”, na esperança de se tornarem homens-rãs da Marinha, foi utilizada uma balsa de borracha com três metros para nos ensinar essa lição vital.
Aonde quer que fôssemos, durante a primeira fase do treino nos SEALs, tínhamos de transportar a balsa. Colocávamo-la sobre a cabeça quando corríamos do quartel, atravessando a estrada, em direção à cantina. Carregávamo-la numa posição baixa quando subíamos e descíamos, em passo de corrida, as dunas de areia de Coronado. Remávamos incessantemente na balsa de norte a sul, ao longo da costa e através da rebentação. Sete homens, todos a trabalhar em conjunto para levar a embarcação de borracha ao seu destino.
Porém, aprendemos outra coisa na nossa jornada com a balsa. Ocasionalmente, um dos elementos da equipa magoava-se ou ficava doente, ficava incapaz de uma prestação a cem por cento. Até eu ficava exausto do treino ou em baixo devido a uma constipação ou gripe. Nesses dias, os outros membros compensavam a minha quebra. Remavam com mais força, escavavam mais profundamente, ofereciam-me as suas rações para ter força suplementar, e, quando chegava a ocasião, mais tarde no treino, eu retribuía-lhes o favor. Nenhum SEAL poderia sobreviver sozinho durante um combate e, do mesmo modo, precisamos de pessoas na nossa vida para nos ajudarem nos momentos mais difíceis.
* * *
A necessidade de auxílio nunca foi tão evidente para mim como 25 anos mais tarde, quando comandei todos os SEALs da costa Oeste.
Eu era o comodoro do 1.fll Grupo do Comando Naval de Guerra, em Coronado. Como comandante da Marinha, tinha passado as últimas décadas a liderar equipas de SEALs por todo o mundo. Estava no terreno, num rotineiro salto de paraquedas quando as coisas correram mal.
Estávamos a bordo de uma aeronave Hercules C-130, que subiu até aos 3600 metros de altitude, e preparávamos o salto. Espreitando pela parte de trás da aeronave podíamos ver um lindo dia. Não havia qualquer nuvem no céu, o oceano Pacífico estava calmo e, àquela altitude, conseguíamos ver a fronteira do México a poucos quilómetros de distância.
O mestre de salto gritou “a posto”». Agora, à beira da rampa, conseguia ver o solo. Ele olhou-me nos olhos, sorriu e gritou “vai, vai, vai!”. Mergulhei para fora da aeronave, com os braços completamente esticados e as pernas um pouco dobradas atrás das costas. A propulsão da aeronave inclinou-me para a frente, até os meus braços serem atingidos pelo ar, fazendo com que ficasse nivelado.
Verifiquei rapidamente o altímetro, certifiquei-me de que não estava a girar e, a seguir, olhei à minha volta para me assegurar de que não havia alguém demasiado perto de mim. Vinte segundos depois tinha caído para uma altitude de 1600 metros.
De repente, olhei para o solo, e havia outro paraquedista por debaixo de mim, intersetando o meu caminho até ao chão. Ele puxou a corda de rasgo e pude ver o paraquedas-piloto a ativar o paraquedas principal dentro da sua mochila. Estiquei imediatamente os meus braços para os lados, forçando a minha cabeça em direção ao solo, numa tentativa de evitar o paraquedas em abertura.
Era demasiado tarde.
O paraquedas abriu-se por completo à minha frente, como o airbag de um automóvel, atingindo-me a 190 quilómetrospor hora. Embati no toldo principal e rodei descontroladamente, pouco consciente do impacto. Girei de pernas para o ar durante alguns segundos, tentando estabilizar de novo. Não conseguia ver o altímetro e não sabia a que distância estaria agora.
Alcancei instintivamente a corda de rasgo e puxei-a. O paraquedas-piloto caiu da sua pequena bolsa, na parte de trás, mas enrolou-se à volta de uma perna enquanto eu continuava a cair em direção ao solo. À medida que me debatia para me desembaraçar, a situação piorava. O paraquedas principal abriu-se parcialmente, mas, ao fazê-lo, enrolou-se à volta da outra perna.
Esticando o pescoço em direção ao céu, consegui ver que as minhas pernas estavam presas por dois conjuntos de ascensores, as longas tiras de nylon que ligam o paraquedas principal ao arnês nas costas. Um ascensor tinha-se enrolado a uma perna, o outro à volta da outra. O paraquedas principal estava completamente fora da mochila, mas pendurado algures no meu corpo.
Enquanto lutava para me libertar do emaranhado, senti que, de repente, o toldo levantou-se do meu corpo e começou a abrir. Olhando para as minhas pernas, sabia o que se seguiria.
Em segundos, o toldo apanhou ar. Os dois ascensores, cada um enrolado a cada uma das minhas pernas, separaram-se súbita e violentamente, arrastando as pernas com eles. A minha pélvis separou-se instantaneamente quando a força da abertura rasgou a base do meu tronco.
Os milhares de pequenos músculos que ligam a pélvis ao corpo foram arrancados das suas articulações.
A minha boca abriu-se e soltei um grito que pôde ser escutado no México. Uma dor excruciante percorreu o meu corpo, enviando ondas que pulsavam em direção à minha pélvis e à minha cabeça. A parte superior do meu tronco era atormentada por violentas convulsões musculares, que provocavam ainda mais dor nos braços e nas pernas. Nesse momento, como se estivesse a ter uma experiência fora do corpo, tomei consciência dos meus gritos e tentei controlá-los, mas a dor era demasiado intensa.
Ainda de cabeça para baixo, e a cair muito rapidamente, endireitei-me no arnês, aliviando alguma pressão na pélvis e nas costas. Quatrocentos e cinquenta metros…! Tinha caído mais de 1200 metros antes de o paraquedas abrir. A boa notícia: tinha um toldo inteiro sobre a minha cabeça. A má notícia: estava partido ao meio devido ao impacto da abertura.
Aterrei a mais de três quilómetros do ponto de largada.
No intervalo de poucos minutos chegou uma ambulância, bem como a equipa do ponto de largada. Fui levado para o hospital, no centro de San Diego. No dia seguinte, saí da cirurgia. O acidente tinha rasgado a pélvis em quase 12,5 centímetros. Os músculos do meu estômago separaram-se do osso pélvico e os das costas e pernas estavam gravemente danificados pelo choque da abertura do paraquedas. Tinha uma grande placa de titânio aparafusada à pélvis e um longo parafuso escapular na parte de trás, para ter estabilidade.

Parecia ser o fim da minha carreira. Para sermos um SEAL capaz tínhamos de estar fisicamente aptos. A minha reabilitação iria durar meses, talvez anos, e a Marinha era obrigada a efetuar uma avaliação médica para determinar se estava apto para a função. Saí do hospital sete dias depois, mas permaneci acamado em minha casa nos dois meses seguintes.
Durante toda a minha vida tivera a sensação de que era invencível. Acreditava que as minhas capacidades atléticas inatas podiam tirar-me das situações mais perigosas e, até então, tivera razão. Muitas vezes, durante a minha carreira, deparara-me com incidentes que colocavam a vida em risco: colisões no ar com outro paraquedas; descida descontrolada num minissubmarino; uma quase fatal queda de centenas de metros de uma plataforma de petróleo; ficar preso sob um barco que se afundava; uma demolição que explodiu prematuramente e muitos incidentes em que uma fração de segundo decidiu o destino entre a vida e a morte. De todas as vezes, tinha conseguido de alguma forma tomar a decisão certa e em todas elas estava fisicamente apto para superar o desafio que tinha diante de mim. Mas não desta vez.
Agora, deitado na cama, tudo o que sentia era autocomiseração; porém, tal não duraria muito tempo. A minha mulher, Georgeann, tinha assumido tarefas de enfermagem. Limpava as minhas feridas, dava-me as injeções diárias necessárias e trocava a minha arrastadeira; todavia, mais importante, lembrava-me de quem eu era. Eu nunca tinha desistido de nada na minha vida, e ela assegurou-me que não começaria agora. Recusou-se a deixar que sentisse pena de mim próprio. Era o tipo de amor firme de que precisava e, à medida que os dias passavam, eu melhorava.
Os meus amigos apareciam em casa, telefonavam constantemente e ajudavam com o que podiam. O meu superior, o almirante Eric Olson, acabou por encontrar uma forma de contornar a medida que exigia que a Marinha realizasse uma avaliação médica da minha capacidade de continuar a servir enquanto SEAL. O apoio dele, provavelmente, salvou a minha carreira.
Durante o tempo que passei nas equipas dos SEALs tive inúmeros reveses e, em todos, houve sempre alguém que deu um passo em frente para me ajudar: alguém que tinha fé nas minhas capacidades; alguém que via potencial em mim quando outros não o conseguiam ver; alguém que arriscou a sua própria reputação em prol da progressão da minha carreira. Nunca esqueci essas pessoas e tenho presente que tudo o que alcancei na minha vida foi graças a outros, àqueles que me ajudaram ao longo do caminho.
Nenhum de nós está imune aos momentos trágicos da vida. Tal como o pequeno barco de borracha que tínhamos no treino básico dos SEALs, é preciso uma equipa de boas pessoas para alcançares o teu destino na vida. Não podes remar o barco sozinho. Encontra alguém com quem partilhar a tua vida. Faz tantos amigos quanto possível e nunca te esqueças de que o teu êxito depende dos outros.
Comentários