O presente faz-se num mundo dominado por uma sobrecarga de informação, burnout, grandes mudanças e o lidar constante com os efeitos das alterações climáticas. Neste contexto, a uma escala global, “é fácil sentirmo-nos perdidos, desligados ou sem um propósito. Caso se identifique com estes sentimentos, conhecer o InnSaei é o primeiro passo para se reconectar consigo e com o meio ambiente”. Estas são palavras que retiramos à sinopse ao livro InnSaei (edição Casa das Letras), obra assinada pela islandesa Hrund Gunnsteinsdóttir, especialista em sustentabilidade, formada em antropologia.

InnSaei (que se pronuncia “in-sai-eh”) é a palavra islandesa para intuição. Significa o “mar interior” (o fluxo da nossa mente inconsciente), o observar desse mesmo nosso interior (como uma forma de introspeção) e o “ver de dentro para fora” (como navegamos no mundo).

Na obra que chega agora aos escaparates nacionais, Hrund Gunnsteinsdóttir explica como o alinhamento com o nosso InnSaei pode ser útil na tomada de decisões mais informadas e a acolher novamente a criatividade e o assombro na nossa vida. A autora propõe-nos “aprender a observarmos o nosso interior como forma de melhorar a nossa autoconsciência, empatia e tolerância”. Para  Gunnsteinsdóttir “ver de dentro para fora irá dar-nos a capacidade de implementar mudanças que nos vão levar a uma vida mais plena e saudável”.

Sobre o livro, escreve a autora na introdução ao mesmo, tratar-se de “uma carta de amor, uma ode ao esplendoroso, complexo, maioritariamente incompreensível, mas fascinante mundo que existe dentro de todos nós, o nosso InnSaei, que significa o mar do nosso interior. Aqui se explora como podemos mergulhar de forma maravilhosa neste mundo interior, para nos podermos sentir regenerados e reconectar com o mundo à nossa volta. O livro baseia-se na crença de que quanto mais viajemos pela vida com uma forte bússola interior, alinhados com o nosso InnSaei, mais nos poderemos tornar parte do lindo e generoso mundo que se encontra fora de nós”.

Da obra, publicamos o excerto abaixo:

O que é o InnSaei?

“A intuição corresponde a uma biblioteca gigantesca que toda a gente tem dentro de si. Temos a faculdade de recorrer a essa biblioteca. Somos fluentes no que ela diz. Será que vamos utilizar essa informação para tomar as decisões mais sábias e sensatas de que formos capazes e não apenas as decisões mais inteligentes que pudermos?”

Daniel Shapiro, entrevistado no documentário InnSaei

A intuição, ou o InnSaei, foi a chave do percurso de regresso a mim mesma e daí para o mundo, do qual me senti em parte, ligada e alinhada. E embora o InnSaei exista dentro de todos os seres humanos, surpreender-vos-ia descobrir as inúmeras maneiras possíveis de olharmos para ele, consoante as nossas línguas, disciplinas e escolas de pensamento.

O Cambridge Dictionary define intuição como “a capacidade de compreender ou saber algo de imediato, com base em sensações por oposição a factos”. Essa sensação de sabermos que uma coisa está errada ou nos parece completamente certa é-nos familiar a todos. Trata-se daquela sensação visceral ou instintiva pela qual já todos passámos – Malcolm Gladwell chama-lhe “o poder de pensar sem pensar”, no seu livro Blink (2005).

Hrund Gunnsteinsdóttir é uma especialista em sustentabilidade, escritora e realizadora, com formação em antropologia, desenvolvimento e emergências complexas e liderança executiva. Foi reconhecida pelo seu trabalho como Yale World Fellow, Jovem Líder Global do Fórum Económico Mundial e Líder Cultural do Fórum Económico Mundial. Faz parte do Conselho Consultivo do recém-fundado International Leadership Centre da Universidade de Yale e é membro da direção da Eyrir Invest. Tem uma vasta experiência global em trabalho de desenvolvimento e reconstrução pós-conflito, inovação, empreendedorismo social e artes. É realizadora do documentário InnSaei - the Sea Within.

Já muito se investigou e escreveu sobre a intuição nos últimos anos, com diversas ideias e teorias a terem surgido. Alguns investigadores consideram a intuição um conceito psicológico e espiritual, e referem-se assim a um discernimento inato e inconsciente. No extremo oposto, a intuição é vista como a chave para a genialidade intelectual ou então o seu contrário – um impulso irracional no qual não devemos confiar.

Após vários anos de investigação pessoal, pesquisa, prática e conversas pelo mundo inteiro, sobretudo em inglês, sobre a intuição, comecei a ver a palavra islandesa para intuição, InnSaei, como se a estivesse a ver pela primeira vez. Fui finalmente capaz de incorporar o seu significado e tudo se começou a encaixar. InnSaei é uma palavra poética, fundada em forças naturais. Descreve uma sensação profunda e inata de intuição, que nos liga a nós próprios, uns aos outros e ao mundo ao nosso redor. Há várias maneiras de explicar o mundo – este livro explora como o podemos fazer através da perspetiva do InnSaei.

- Alinhamento é quando o nosso corpo, mente e alma estão sincronizados; e estamos portanto sintonizados com o nosso InnSaei.

- Sentimo-nos enraizados a nós próprios; e orientamo-nos através da nossa bússola interior.

- O alinhamento permite-nos funcionar e agir com tranquilidade e à-vontade, podendo ser um objetivo em si mesmo.

- Se estivermos alinhados com um determinado papel, tarefa ou trajeto, temos a sensação de que tudo se está a desenrolar como devia.

O triplo significado do InnSaei

O islandês moderno provém do nórdico primitivo, a língua falada pelos vikings. Embora o islandês tenha mudado e evoluído ao longo do tempo, como as outras línguas, quem o fala atualmente continua a conseguir ler os textos mais antigos que ainda se encontram preservados e que datam dos séculos XII e XIII. No islandês, não adotamos palavras estrangeiras (como computer ou smartphone) para recorrer à fonética islandesa e assim criar equivalentes, como outras línguas fazem. O que fazemos antes é criar novas palavras para novas ideias ou inovações tecnológicas, com as palavras a descreverem por norma a função dessa mesma coisa ou ideia. Por exemplo, a palavra islandesa para computador é tölva. Foi inventada em 1965, por Sigurdur Nordal, académico, escritor e embaixador islandês, a partir de tala (que significa “número”) e völva (que quer dizer “profetisa”). No nórdico primitivo e no islandês, völva é uma xamã ou vidente – uma mulher que vê o futuro –, sendo a profetisa um motivo recorrente na mitologia nórdica. “Por conseguinte, o islandês mostra-se uma língua relativamente transparente, ao contrário de muitas outras línguas”, afirma Gudrun Nordal, diretora do Instituto Árni Magnusson de Estudos Islandeses e neta do falecido Sigurdur Nordal.

Ainda que a primeira utilização da palavra intuition em textos ingleses date aproximadamente ao século XV, InnSaei só surgiu na língua islandesa escrita no começo do século XX, por exemplo, quando um livro da teósofa Annie Besant foi traduzido do inglês por Sig. Kristofer Petursson, tendo sido publicado em 1916, com o título Lífsstiginn.

A chave para desvendar o significado da palavra InnSæi reside na formação da mesma, e é por isso que prefiro escrever InnSæi (que se pronuncia “in-sy-ay”) com um I e um S maiúsculos. Contudo, se forem procurar a palavra num dicionário de islandês, encontrá-la-ão escrita em minúsculas: innsaei.

Conforme referido na Introdução, o InnSæi possui um significado triplo e poético. Mescla duas palavras: Inn(que se traduz como “interior” ou “para dentro”) e Saei (que deriva do verbo “ver”, mas também evoca saer, a palavra islandesa para “mar”). Resumidamente, o InnSæi é o nosso guia interior, a voz da nossa alma; e nos campos em que tenhamos conhecimentos, pode fazer emergir a nossa máxima capacidade intelectual.

O mar interior remete para a natureza porosa do nosso mundo interior. Está em constante movimentação e sempre a estabelecer novas ligações. Vai para lá das palavras. É um mundo de visão, sensações e imaginação. É onde se encontram os fundos de direções emergentes na vida, uma sensação de alinhamento e instintos acerca de decisões importantes mesmo antes de podermos exprimir tudo isso por palavras. O mar interior não pode ser compartimentado em caixas ou blocos, senão deixará de fluir.

Ver para dentro equivale a ver o nosso interior – conhecermo-nos a ponto de testemunhar a nossa própria criatividade, as nossas crenças e humanidade fundamentais, incluindo as nossas imperfeições, forças, preconceitos, medos e vulnerabilidades. Quando vemos o nosso interior, temos uma maior capacidade de sentir empatia, dizer o que nos vai na alma e viver de modo autêntico.

E, por fim, ver de dentro para fora significa estarmos alinhados com a nossa bússola interior. Estarmos presentes de forma consciente no mundo, com o nosso coração, a nossa coluna, a nossa cabeça e o nosso estômago alinhados. Num mundo repleto de incerteza, oportunidades, velocidade e tentativas incessantes de entorpecer os nossos sentidos e desviar-nos a atenção, uma forte bússola interior oferece-nos clareza, concentração e resiliência. Possibilita-nos percorrer melhor o nosso caminho individual pelo oceano da vida.

As minhas raízes no que toca ao InnSaei

Cresci na Islândia e ainda que não utilizássemos a palavra InnSaei assim tanto, nunca deixou de algum modo de se fazer sentir, pairando no ar e estimulando a minha imaginação. Em criança, passava muito tempo na natureza, a explorar os campos de lava próximos da minha casa ou a fugir de troles, que imaginava quererem apanhar-me e arrancar-me à minha família. Deambulava por ali horas a fio, perdendo toda e qualquer noção do tempo.

Sendo de uma família de seis, viajávamos pela Islândia durante os meses de verão, acampando ou fazendo viagens de um dia sempre que tínhamos essa possibilidade e o tempo deixava. Lembro-me de voltar para casa sozinha desde muito tenra idade, por volta dos seis anos. Nas noites de inverno, depois de um longo dia com os meus amigos, nunca tinha medo do escuro. Quando me deitava na neve e contemplava o céu noturno e estrelado, sentia-me perfeitamente segura e confortável no mundo grande lá fora. Tinha conversas imaginárias com as estrelas e sentia que estávamos a partilhar um momento.

Innsaei
Innsaei créditos: Casa das Letras

A minha mãe é artista, tendo-se tornado uma pianista autodidata desde muito nova e acabando por se licenciar em Artes quando já estava na casa dos quarenta, fundando depois uma galeria de arte com quatro outras artistas. Enchia a casa de música linda, tocando o seu piano branco na sala de estar, nos intervalos de uma agenda ocupadíssima. Enquanto isso, eu e os meus irmãos desenhávamos, pintávamos, costurávamos ou fazíamos coisas na casa, chegando a ficar por vezes acordados já bem depois da nossa hora de ir para a cama.

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Antes de saber sequer formar palavras, já fingia escrever contos na máquina de escrever da minha avó. Aos oito anos de idade, anunciei que pretendia publicar a minha primeira obra. Sabia qual o aspeto que queria que tivesse – um livro de capa castanha e encadernado a couro –, mas já não tinha assim tantas certezas acerca do enredo. Às vezes, os meus irmãos faziam troça de mim, o que me ofendia profundamente; tanto que, em certas ocasiões, chegava a trancar-me no quarto durante o que pareciam ser horas, recusando-me a falar com quem quer que fosse a não ser a minha mãe, que salvaguardava pela minha imaginação ouvindo as minhas ideias e levando-as a sério.

Com nove anos, criei uma empresa com a minha amiga de infância Edda. Chamámos-lhe le Crabe porque tínhamos descoberto um conjunto de autocolantes vermelhos com uma imagem de um caranguejo branco e as letras le Crabe escritas por baixo. O meu pai deu-nos um livro de cheques já fora de prazo, o que emprestou considerável gravitas à nossa atividade, pelo menos em termos de aparência. Na realidade, a única coisa que fazíamos era trocar cartas com mais de uma centena de correspondentes espalhados pelo mundo inteiro. Nos dias em que não recebíamos cartas, partíamos do princípio de que tinha havido algum engano e marchávamos até aos correios para pedir que se certificassem de que não tinha chegado mesmo nenhuma carta para nós.

Por volta dos dez anos de idade, perguntei ao meu pai se me podia arranjar espaço para um escritório na empresa de pneus dele, coisa que me pareceu ser logicamente o passo seguinte no meu percurso. O meu pai recusou educadamente o meu pedido, esforçando-se ao máximo para não se rir de mim. Construiu duas das nossas casas e fundou uma empresa com o meu avô, que dirigiu ao longo de várias décadas. Foi jogador de andebol e tornou-se capitão da seleção nacional na década de 1970; mais tarde, também foi escolhido para a seleção nacional de golfe de veteranos. Basicamente, fui criada por pais cujos talentos e paixões abarcavam o desporto, as artes, os negócios e o empreendedorismo – tudo áreas que exigem imaginação e criatividade, além de milhares de horas de treino e prática. Tenho três irmãos e, lá em casa, sempre se falou muito da importância de se trabalhar arduamente, tendo-nos sido incutido em todos uma fé empedernida de que seríamos capazes de fazer tudo o que quiséssemos se nos dispuséssemos a isso.

A palavra InnSaei é o seu próprio universo

As palavras têm relevância. Tal como qualquer pessoa é o seu próprio universo, o mesmo acontece com cada palavra. Adoro a maneira como as palavras nos ajudam a captar significados. Servimo-nos de palavras para processar e enquadrar aquilo que apreendemos, experienciamos e imaginamos. Nascem de pistas nas quais reparamos quando prestamos atenção. Inventamos palavras para descrever o mundo conforme o experienciamos – e há tanta coisa que precisamos de exprimir.

Pôr em palavras o que observamos e sentimos pode demorar vários dias, semanas ou anos e, no entanto, uma palavra nova é criada a cada 98 minutos, perfazendo 5.400 novas palavras por ano, de acordo com a Global Language Monitor. O InnSaei consiste numa palavra poética que nos permite aceder às marés do nosso mar interior, ao modo como nos ligamos a este, uns aos outros e ao mundo natural. Reconhece que a complexidade e a simplicidade coexistem, e que tudo está interligado, e ajuda-nos a ver o mundo assim.

Ao longo de vários séculos, a complexa interligação dos sistemas vivos foi explicada por via da ciência, da filosofia e do espiritualismo. Essa interligação ultrapassa com frequência aquilo que somos capazes de avaliar ou ver a olho nu. Por exemplo, não conseguimos decompor sistemas naturais complexos – como a floresta da Amazónia, as relações, o corpo ou a mente humanos – e, a seguir, reconstruí-los esperando que funcionem como antes. Em contraste, já conseguimos desmantelar e remontar uma estrutura mecânica intricada, como um carro ou uma máquina. Quando nos deixamos orientar pelo nosso InnSaei adquirimos uma compreensão mais completa da enorme diferença entre as máquinas e a natureza.

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