Religião, etnia, filiação política, rendimento, historial de doenças. E orientação sexual. Todas as informações possíveis e imaginárias sobre cada cidadão estão a ser recolhidas por privados através da internet e dos dispositivos móveis. A Europa está interessada em responder ao fenómeno, mas não é para já.
Não se trata da recolha sistemática feita por serviços secretos como a norte-americana National Security Agency – tal como denunciado desde 2013 por documentos do ex-analista informático Edward Snowden. Os serviços secretos trabalham alegadamente em nome da segurança dos estados. Neste caso, os dados pessoais são coligidos por empresas privadas e vendidos sem que as pessoas tenham disso conhecimento.
O método não difere das estratégias de marketing que existem desde há décadas. A novidade está na quantidade e no tipo de dados que agora são recolhidos, alerta uma reportagem recente do programa “60 Minutes”, da CBS. “As pessoas fornecem cada vez mais informações privadas, via ‘online’, sem saberem que elas estão a ser recolhidas, catalogadas e vendidas. É uma indústria de muitos milhões que atua na sombra e praticamente sem regulação”, relata a estação norte-americana.
As informações provêm de formulários que os utilizadores preenchem ‘online’ de forma voluntária ou através de programas que observam as páginas visitadas por cada pessoa. As empresas que o fazem são designadas “data brokers”, ou “agentes de dados”. Epsilon, DataLogix, TransUnion e Acxiom são apenas algumas delas. Organizam bases de dados extremamente rigorosas, com nomes, características e hábitos privados ou íntimos. É o “profiling”, ou “perfilamento”. Na prática, trata-se de criar fichas pessoais – milhões e milhões de fichas pessoais, revela a CBS.
“Claro que a informação sobre a orientação sexual é recolhida”, diz na reportagem o jurista Tim Sparapani, que chegou a ter um cargo executivo no Facebook. Mas como é que os “agentes de dados” sabem que alguém é hetero ou homossexual? “Com base em informações prestadas pelos utilizadores sobre os bares ou discotecas que frequentam, restaurantes a que vão, produtos que compram”. Informações depois compiladas em ficheiros que podem ser vendidos a potenciais empregadores, com o nome de cada pessoa associado.
O “agente de dados” norte-americano Statlistics organiza listas sobre pessoas gays e lésbicas e anuncia-o, diz a CBS. O valor de tais listas é enorme para empresas e comerciantes porque lhes permitem ter informação personalizada sobre os seus clientes ou potenciais clientes.
Em entrevista à Antena 1, em janeiro do ano passado, a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, Filipa Calvão, reconhecia que “é relativamente fácil que certos dados pessoais sejam vendidos por um funcionário e passados para outras instituições”. Informação que “não é sobre aspectos íntimos, mas pode levar agregados dados” íntimos, segundo Filipa Calvão. “Estou em crer que haverá negócio em matéria de dados pessoais”, afirmou a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados. “Somos livres de dar as informações que quisermos sobre a nossa vida, mas por vezes damos informação pessoal a mais, voluntariamente, sem verdadeira consciência de que estamos a fazê-lo: preenchemos um formulário numa loja, num local de antendimento, já para não falar das redes sociais.”
O cenário pode modificar-se, pelo menos para os cidadãos europeus, com a recente aprovação pelo Parlamento Europeu de um novo regulamento sobre a proteção de dados. “As empresas terão de obter o consentimento da pessoa antes de proceder ao processamento dos seus dados”, pretendem os eurodeputados. Mas de acordo com informação prestado pelo parlamento, as alterações aprovadas terão agora de ser negociadas com o Conselho de Ministros da União Europeia, o que só acontecerá depois das eleições europeias de maio.
Bruno Horta
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