Caminhou 1.800 quilómetros, durante quase um mês, por uma causa, pela vida. Uma caminhada solidária para homenagear quem já partiu. «Faço parte de uma família que tem sofrido bastante com o cancro», começa por justificar António Oliveira. «Já perdi quatro familiares e vários amigos. Mas foi o desaparecimento de uma tia que mais me marcou. Depois da sua morte, percebi o quanto era importante para mim», confidencia o emigrante.
«Infelizmente, nunca valorizei esse sentimento enquanto ela era viva e lido com isso diariamente», desabafa ainda o português de 39 anos, segurança de profissão. «Senti necessidade de fazer algo em memória dessas pessoas e dar apoio aos que mais necessitam e lutam diariamente contra o cancro», acrescenta ainda.
«Como emigrante em Londres, onde existem muitas pessoas da nossa comunidade a enfrentar esta luta, fazia todo o sentido incluir nessa iniciativa o Cancer Research UK, assim como a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Foi assim que nasceu a ideia de fazer uma caminhada solidária de 1.800 quilómetros entre Londres e o Porto e, paralelamente, criar uma plataforma online para angariar fundos para as duas organizações», diz.
Apoio foi fundamental
Ultrapassar a burocracia inicial não foi fácil. «Consegui o apoio dessas instituições, mas, ao contatar a Embaixada Portuguesa em Londres e o Consulado Geral de Portugal em Londres, não tive o mesmo sucesso», critica. «Concentrei energias no que tinha conseguido e agarrei-me à força que chegava da minha esposa, de familiares e de amigos», recorda.
«E, mais tarde, de todos os que participaram nesta iniciativa e que seguiram a caminhada, diariamente, através do Facebook. Isso foi fundamental para ultrapassar as dificuldades do desafio e ter conseguido chegar ao fim. Não tenho palavras para descrever o quanto estou agradecido a todos eles», afirma ainda António Oliveira.
Treino físico e psicológico
Reunidos os apoios, foi meter mãos à obra e dar o corpo ao menifesto. «Preparei-me ao longo de cinco meses. Foi um processo complicado, uma vez que, depois das 13 horas de trabalho diário como segurança, era difícil encontrar forças para um treino intenso como gostaria. Troquei as horas de almoço por treinos diários num ginásio local e usava a bicicleta como meio de transporte, fazendo 45 quilómetros diários», conta.
«Aos fins de semana, fazia longas caminhadas. Duas semanas antes de arrancar, optei por me concentrar no treino psicológico. E, na verdade, o curioso é que, ao fim de três dias de caminhada, percebi que por mais que treinasse nunca iria estar preparado fisicamente para este desafio. A força mental foi um fator-chave para ultrapassar tudo», acredita António Oliveira.
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O imperativo de nunca desistir
Quando chegou a altura, fez-se à estrada sem pensar. «Só quando percorria os 1800 km, entre maio e junho deste ano [2016], é que tive realmente noção do próprio desafio. Além do cansaço físico, das dores nos pés e joelhos, o desgaste psicológico foi uma dificuldade acrescida», confidencia.
«O calor, controlar a água que bebia e manter-me hidratado, sem saber qual seria a próxima paragem para me reabastecer, ou as noites a dormir na tenda debaixo de chuva foram complicadas, mas nada superava a solidão e as saudades da família. Ainda assim, nunca pensei desistir», assegura António Oliveira.
«Pensava, sim, como e em que estado iria terminar a caminhada, mas nunca em abandonar a minha promessa, até porque se o fizesse, estaria a ir contra a mensagem que, desde o início, tinha defendido que nunca ia desistir e que ia acreditar sempre até ao fim!», refere. «A rendição era contra a natureza desta iniciativa», sublinha.
Superação diária
Para memória futura, António Oliveira foi resumindo o que lhe ia na alma. «No final de cada dia, escrevia no Facebook um resumo da jornada, colocava fotografias, informação dos lugares onde passava e os quilómetros percorridos. Fazia-o por mim e por todos os que seguiam esta aventura, me apoiavam e acreditavam em mim, ainda que ocultasse alguns episódios para evitar preocupações», admite.
«Em França, por exemplo, lesionei-me no joelho e durante 1.400 quilómetros senti dores fortes. A travessia dos Pirenéus, do Sul de França para o Norte de Espanha, foi também bastante complicada pela dureza das subidas e, principalmente, descidas, porque era quando sentia mais dores físicas. Como automotivação, falava sozinho e lá ia aguentando os 12 quilos da mochila, que pareciam toneladas», critica.
Aguentou o peso e suportou o «muito calor», diz. Mas também havia o lado positivo. «Tive o privilégio de ver paisagens que jamais esquecerei e sentir magníficas manifestações de solidariedade, principalmente enquanto percorria os Caminhos de Santiago e encontrei verdadeiros peregrinos», afirma o emigrante.
A força do carinho que recebeu
Ao longo do caminho, António Oliveira encontrou muita gente. «Um dia, entrei num estabelecimento para comer e reparei que a senhora estava sempre a olhar para mim. Quando fui pagar, percebi a razão. A senhora perguntou, com um sorriso, se eu estava no Facebook», conta. Ao responder que sim, ela retorquiu «És o António!», diz.
«Ofereceu-me a refeição e a estadia para essa noite, que só não aceitei porque ainda tinha muitos quilómetros pela frente. Ao chegar a Portugal, a reação foi fantástica. Em Vilar de Perdizes, a população brindou-me com uma injeção de energia para os quilómetros finais, e, no Porto, foi indescritível», prossegue.
«Na chegada, estavam familiares, amigos, desconhecidos e até o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro», conta o emigrante. «Foi surreal e, ainda hoje, continuo a sentir que não fiz nada de especial para sentir tanto carinho», considera o segurança.
Veja na página seguinte: A sensação de dever cumprido
A sensação de dever cumprido
No fim do percurso, António Oliveira era um homem cansado, mas feliz. «Terminei a caminhada com a sensação de que transmiti uma mensagem de esperança. Comecei esta iniciativa praticamente sozinho e, quando mencionava o objetivo, muitos chamaram-me louco. Talvez tivessem razão, mas isso nunca me fez desistir», confidencia.
«Tenho recebido apoio e carinho de pessoas de diferentes nacionalidades, e percebi que nós, portugueses, somos muito humildes e solidários. De uma forma ou de outra, todas essas pessoas contribuíram para o sucesso desta iniciativa. Só assim conseguimos mudar mentalidades e combater a ideia errada de que o cancro só acontece aos outros», refere.
«Esta iniciativa ajudou-me a entender que a vida tem um valor supremo e nem sempre a valorizamos. Aprendi que um doente oncológico, por mais que sofra e lute contra a doença, nunca desiste. É uma lição de vida para todos. Graças a estes lutadores e a todas estas experiências, vejo a vida de forma diferente e, por mais que ajudemos o próximo, nunca é o suficiente», diz.
Futuro solidário
Para o futuro, António Oliveira já tem planos. «Assim que recuperar fisicamente desta aventura, tenho outros projetos em mente. Desafiei-me a pegar numa bicicleta e atravessar Inglaterra de norte a sul (668 quilómetros), em 24 horas, e quero bater um recorde do Guinness ao caminhar mais de 175 quilómetros apenas num dia», revela.
«Adicionalmente, vou continuar a organizar eventos de solidariedade, como tenho feito até aqui», informa o emigrante. «Espero apenas conseguir os devidos patrocínios, elevar estas iniciativas e reverter todas as contribuições a favor da luta contra o cancro», acrescenta ainda o segurança.
Os conselhos de António Oliveira
Se tem um familiar e/ou amigo com doença oncológica, não o abandone. «Lutar contra o cancro implica um apoio incondicional. O meu conselho é simples. Apoiem, estejam presentes. Essa afetividade é fundamental para a recuperação do doente oncológico, um verdadeiro herói pela coragem e bravura com que enfrenta a doença, acreditando sempre que as coisas podem mudar», recomenda.
«Graças a esses exemplos, olhamos para a vida de maneira diferente», assegura o emigrante português. «É essencial que sintam que não estão sozinhos», sublinha. «Estamos todos unidos para fazer a diferença», acrescenta ainda.
Texto: Carlos Eugénio Augusto com Luis Batista Gonçalves (edição online)
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