Ontem à noite estava vento. Até aqui nada de novo. Mas o vento fez com que alguma poeira me entrasse no olho esquerdo. Aparentemente também este facto nada teria de interessante, não fosse pela constatação que me trouxe: os nossos olhos são máquinas perfeitas de auto defesa. Assim que algo os ameaça fecham-se de forma tão rápida, instintiva e automática que nem nos damos conta do que se está a passar.
A poeira que ontem me entrou para o olho foi pouca e inócua devido à perfeição do “dispositivo” que, além de se vedar a novas ameaças, prontamente tratou de se humedecer e expelir a poeira agressora.
Como de costume a observação do facto despertou em mim uma analogia (que considero) interessante: se os mecanismos protetores dos nossos olhos são tão rápidos e eficientes, por que não o podem ser também os mecanismos que nos protegem da irritação? Quando situações ou pessoas nos irritam, por que raios não ativamos um escudo protetor tão automático e poderoso como o fechar das pálpebras e o lacrimejar? Será que o nosso corpo é uma máquina mais perfeita do que o recheio etéreo que nele habita? Não deveria ser ao contrário?
Agradeço ao vento que me atirou pó para os olhos e me fez perceber que as coisas que me irritam são apenas isso: um pó que me é atirado para os olhos da alma que certamente ( mais que os olhos da cara) devem ter a supersónica capacidade de fechar as suas pálpebras, lacrimejar um pouco e esquecer a poeirenta irritação após uns breves segundos.
Sim, bendigo o vento que ontem me trouxe pó para os olhos. Se calhar às vezes precisamos de ver tudo desfocado para poder permitir que a mais perfeita visão das coisas se acabe por instalar.
Ana Amorim Dias
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