Já me fez saber que considera justo que lhe pague cinquenta euros por cada crónica que me inspirou a escrever.

- Até nem é muito, mãe...- tentou convencer-me - As pessoas gostam, não gostam? Então!

Fiz as contas por alto. Cerca de oitenta crónicas a cinquenta euros...

- Teria que vender o meu carro, João. Não querias isso, pois não?

- Ok, então ficas-me a dever!

O fulaninho é de um encanto agridoce. Saboroso. Desafiante. Surpreendente. Tão depressa estamos a implicar, à mesa do pequeno almoço, como nos encontramos nas nossas "luas de mel" em que mais ninguém sabe entrar. Ora enfia sapos nos centros de mesa, ora faz pistoleiros mexicanos zombies (algo que nem a minha própria imaginação conseguiu jamais criar) com uma garrafa de água das pedras e uma tampa de tequilha. Imita patos com duas simples batatas fritas presas nos lábios e vê tutoriais no YouTube para construir bestas, arcos e barcos, com o que apanha por aí.

Mas ontem... Ontem passou por mim a correr, com a agitação do costume, e deu-me um beijo no braço. Daqueles instantâneos, instintivos, viscerais, poderosos. Daqueles beijos que, por mais que mil se repitam, em circunstâncias que tais, são por essência, irrepetíveis. Deu-me a eternidade numa fração de segundo. Deu-me puro amor gratuito daquele beijo-trovão.

Se tivesse mesmo que lhe pagar por cada escrito que me inspirou, fá-lo-ia sem hesitar. O prazer de o escrever valeria cada cêntimo. Como valerá em ternura, cada segundo dos meus dias em venha a ser capaz de recordar toda a intensidade do mais belo beijo-trovão que já alguma vez recebi.

Ana Amorim Dias

Biografia