É o novo rosto do drama dos migrantes. Tem apenas 13 meses mas já lhe imputaram uma responsabilidade que ainda vai demorar alguns anos a conseguir perceber. "Sou todas as crianças que o mar levou", canta Émilie Satt em "Mercy", a canção que compôs com o marido Jean-Karl Lucas, com quem forma a dupla Madame Monsieur, que representa a França no Festival da Canção da Eurovisão, a 12 de maio, na Altice Arena em Lisboa.
Mercy, misericórdia em inglês, o nome que a mãe lhe deu, soa a obrigado em francês e também resulta do jogo de palavras mer (mar) ou mère (mãe) e sea (mar). A canção conta a história da bebé de uma mulher que fugiu de um país em crise, grávida, em busca de uma vida melhor. Na Líbia, à semelhança dos muitos refugiados que tentam chegar à Europa, apanhou uma embarcação insuflável que naufragou.
Salva pelo navio humanitário Aquarius, acabaria por dar à luz a bordo. "A história emocionou-nos", assumiram Émilie Satt e Jean-Karl Lucas, que, pouco depois de ouvirem a notícia, deixaram de ter informações sobre o paradeiro da criança. Outras notícias sobre outros naufrágios de migrantes varreram Mercy de todas as memórias. No início desta semana, jornalistas da France Inter e da France 3 descobriram-na.
A reação da nigeriana à canção sobre a filha
Ninguém sabia dela desde o seu nascimento, em março de 2017. A bebé de 13 meses, que já anda, vive com a mãe Taiwo Youssif, natural da Nigéria, no maior campo de refugiados da Europa, na Sicília. A progenitora não fazia a mínima ideia de que a sua história com um final feliz tinha inspirado um novo hino. "Rezo a Deus para que a canção seja um êxito e que, graças a isso, me possam ajudar", disse aos jornalistas.
"As pessoas foram muito simpáticas comigo", recorda, com os olhos marejados de lágrimas. No dia 21 de março de 2017, então grávida de oito meses e meio, achou que ia morrer no mar. Acabaria por ser um dos mil migrantes resgatados com o apoio da organização não-governamental (ONG) SOS Méditerranée. "Éramos muitos. Muitos morreram", relembra. Grégory Leclerc, jornalista do Nice Matin, também estava a bordo.
"O nascimento da Mercy foi um raio de sol naquele momento", garante. Taiwo Youssif fugiu da Nigéria para dar um futuro melhor à filha. O marido, preso, ficou lá. "Preciso que me ajudem. Não tenho ninguém. Estamos a sofrer. Há muito tempo que estamos aqui", afirma a refugiada. O drama dos migrantes é retratado no vídeo promocional dos Madame Monsieur, parcialmente filmado na capital portuguesa.
Entretanto, Émilie Satt e Jean-Karl Lucas reagiram à notícia da descoberta da criança com grande entusiasmo. "Desde que escrevemos a canção que andávamos à procura dela, ainda muito antes da Eurovisão. Na altura, a primeira coisa que fizemos foi contactar a [ONG] SOS Méditerranée", revelaram em entrevista. "Mas é muito complicado. São informações que as autoridades não prestam", justificaram.
"Pensamos que ela pode estar na Sicília ou até mesmo em Inglaterra. Se descobrirem o seu paradeiro, gostaríamos de lhe cantar a nossa canção e de saber se ela está bem. A Mercy simboliza a esperança no meio do horror", tinha afirmado a dupla no final de janeiro. "Eu gostava que ela entrasse para uma grande universidade. Não pode passar pelo mesmo que eu. Tudo o que tenho feito desde que sai da Nigéria é por ela", garante Taiwo Youssif.
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