Começou por estudar medicina, licenciou-se em direito, foi jornalista durante 10 anos na SIC Notícias, passou depois para a assessoria de imprensa e, há quatro anos, depois de ter feito um mestrado em direitos humanos do Birkbeck College, da Universidade de Londres, em Inglaterra, assumiu a direção executiva da secção portuguesa da Amnistia Internacional. Desde aí tem sido o rosto de muitas lutas que esta organização não governamental (ONG) tem encetado e prepara-se para mais um grande desafio.
A defesa dos direitos económicos e sociais, devido às medidas de austeridade, além da habitual defesa dos direitos cívicos e políticos, é a sua nova batalha. Falamos de Teresa Pina, que tem como lema «tentar todos os dias um mundo melhor». «Não podemos dar por garantida a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a atestar isso estão os atuais 70 milhões de deslocados, o maior número desde a segunda grande guerra», realça.
Quando é que começou a interessar-se pela defesa dos direitos humanos?
Talvez quando acabei o curso de direito. Apesar de, depois, ter ido para jornalismo, fui tendo várias atividades de voluntariado. E acredito que, se tivesse continuado a ser jornalista, ainda hoje era voluntária numa ONG.
Na altura, que tipo de voluntariado fez?
A mais marcante foi na Comunidade Vida e Paz no apoio aos sem-abrigo e, quando era mais jovem, fui jurista voluntária na APAV [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima]. Fiz ainda um estágio no Instituto de Apoio à Criança.
Ter ido para Londres fazer um mestrado em direitos humanos foi decisivo para mudar de vida?
Não necessariamente. Ao fim de dez anos num mesmo trabalho, há sempre vontade de fazer uma interrupção mas, no fundo, o que me inspirou foi querer saber mais sobre esta área. Fui para Londres, que é considerada a capital dos direitos humanos. E, enquanto lá estive, fiz voluntariado no secretariado internacional da Aministia Internacional.
O que é para si a Declaração Universal dos Direitos Humanos?
Eu diria que é o início da ordem jurídica internacional tal e qual a conhecemos hoje. Foi criada para estabilizar os traumas da segunda grande guerra dado os horrores sem precedentes que aconteceram durante o conflito. A partir daí, passou-se a respeitar uma série de direitos que até então não tinham essa consagração.
Direitos esses que voltaram a ser postos em causa…
Sim. Deram-se passos consideráveis. Pena é que, hoje, esses mesmos direitos sejam postos em causa, como está a acontecer com os refugiados. Nada está adquirido mesmo que esteja consagrado no papel e ratificado pelos estados.
Esta crise dos refugiados é voltar atrás na história. É assustador….
Sim, leva-nos ao tempo em que a declaração foi feita e mostra que a qualquer momento tudo pode reverter.
Veja na página seguinte: As preocupações de Teresa Pina em relação à situação nacional
Como líder da Aministia Internacional em Portugal, o que mais a preocupa no nosso país em termos de direitos humanos?
As medidas de austeridade e os refugiados. Até há pouco tempo, a Aministia Internacional estava mais direcionada para os direitos políticos e civis mas, desde o início da crise económica e financeira, com as medidas de austeridade que se seguiram em Portugal, começamos a estar atentos também aos direitos económicos e sociais.
E em relação aos refugiados?
Portugal é um país de trânsito mas, como membro da União Europeia, tem de estar preparado para os receber. Tem de haver uma distribuição equitativa e proporcional por cada país.
O que é que cada pessoa pode fazer nesta situação?
Primeiro devemos lembrar as lições do passado e pensarmos que amanhã podemos ser nós a estar nessa situação. Os refugiados são uma figura política que surgiu da segunda grande guerra e, na altura, os grandes beneficiários desta lei internacional foram os europeus no rescaldo desse confl ito. Hoje, são outras pessoas que estão a sentir a necessidade de proteção. Ser refugiado é a figura jurídica mais vulnerável do direito internacional. Os refugiados estão à mercê da solidariedade dos demais, porque o seu estado não os consegue proteger.
A nível internacional, além deste problema dos refugiados, o que mais a preocupa?
As alterações climáticas e o seu impacto sobre o bem-estar das pessoas e os seus direitos humanos.
Qual é a posição da em relação ao que se passa em Angola, um país que tem posto em causa a liberdade de expressão?
Estas questões de falta de liberdade de expressão não são novas em Angola, mas têm-se agravado, desde o início do ano [2015]. Estamos perante uma escalada repressiva em relação a todos aqueles que têm uma voz dissonante e que querem discutir alternativas à situação política. Nós temos acompanhado de perto os casos do ativista José Marcos Mavungo, do jornalista Rafael Marques e dos 15 ativistas presos em julho [de 2015]. Os primeiros foram condenados e, agora, no caso dos 15 ativistas, achamos que deveriam ser libertados de imediato.
Recentemente, a Aministia Internacional esteve na embaixada de Angola a discutir estes casos...
É de saudar a abertura para nos receberem, que nos permitiu expor os problemas, apesar de terem ideias contrárias às nossas…
Acha que o Governo português devia ser mais interventivo?
O que dissemos ao Governo português, antes de irmos à embaixada de Angola, foram duas ideias. O nosso papel é denunciar situações e recomendar os estados a defenderem os direitos humanos. Seria importante que Portugal considerasse todos os ativistas e que mantivesse o contacto com eles.
Veja na página seguinte: A opinião de Teresa Pina em relação ao caso de Rali Badawi
O caso de Rali Badawi, na Arábia Saudita, é idêntico ao que está a acontecer em Angola?
É um caso idêntico, no sentido em que Rali Badawi é um blogger com preocupações políticas e sociais e que critica as autoridades do seu país. Foi silenciado por se limitar a exercer os seus direitos. A grande aberração é ter sido condenado a uma pena de prisão e a uma pena corporal de mil chicotadas.
O facto de ter recebido o prémio Sakharov pode mudar a sua situação?
Esperemos que, pelo menos, aumente a visibilidade de casos como o de Raif e que se possa dissuadir as autoridades de praticarem este tipo de penas a pessoas que se limitam a falar.
O que para si a liberdade?
É, a seguir à vida, o valor máximo. Sem liberdade, não há criação nem criatividade. Todos os casos que acompanhamos nos mais diversos países mostram que a falta de liberdade é sinónimo de medo, repressão, pobreza intelectual, tal como aconteceu em Portugal, durante a ditadura.
Acredita num mundo melhor?
Acredito que devemos tentar todos os dias um mundo melhor, se não, não tinha este trabalho.
O que é para si saber viver?
É aproveitar cada dia como se fosse o último porque as coisas podem sempre piorar na nossa vida pessoal e nop. No fundo, é dar o máximo todos os dias com gosto de viver porque tudo pode acabar e mudar de um dia para o outro.
As escolhas de Teresa Pina:
- Livro
«Os Maias», «porque está sempre atual no que tem de bom e de menos bom», justifica a ex-jornalista.
- Música
Chico Buarque e Caetano Veloso, «pelos poemas, pela cultura, pela miscigenação e pelo tropicalismo do Brasil», revela Teresa Pina.
- Ídolo
Peter Beneson, o fundador da Amnistia Internacional.
- Um local
A praia. «Adoro praia e mar», desabafa a especialista em direitos humanos.
Texto: Rita Caetano com Artur (fotografia)
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