O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem não podia ser mais claro. "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos", pode ler-se no documento que os consagra, adotado por 50 países a 10 de dezembro de 1948, no Palácio de Chaillot, em Paris, faz hoje 70 anos. No entanto, apesar dos (muitos) avanços das últimas décadas, ainda continua a ser muito (e longo) o caminho a percorrer.
"Triste aniversário para os direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem é cada vez menos defendida, 70 anos após a sua adoção", lamentam mesmo os jornalistas franceses do Le Monde Rémy Ourdan e Marie Bourrea, que nas últimas semanas levaram a cabo uma investigação sobre o tema. A opinião da alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, aponta no mesmo sentido.
Segundo a ex-presidente chilena, o sistema global "que deu força à visão da Declaração Universal [dos Direitos do Homem] tem vindo a ser abalado por governos e políticos cada vez mais focados nos seus próprios interesses e [em interesses] nacionalistas". Conor Gearty, professor de direito da London School of Economics, aponta também o dedo à política externa que os EUA têm vindo a seguir desde os atentados de 2001.
"Os EUA abdicaram do papel que tinham como defensores internacionais dos direitos humanos", considera mesmo o docente. "Os direitos humanos precisam de um poderoso patrono internacional [que os promova], senão irão pelo cano abaixo", afirma Conor Gearty, que considera que a União Europeia é "o único candidato confiável" para ocupar o lugar que, nas últimas décadas, Washington tem vindo a menosprezar.
Ainda assim, Michelle Bachelet está confiante. "A Declaração Universal dos Direitos do Homem tem conseguido resistir aos obstáculos do passar dos anos", disse a semana passada em Genebra. "Continua a ser, e eu acredito profundamente nisso, tão relevante hoje como era quando foi adotada há 70 anos", afirma a alta-comissária das Nações Unidas. Veja, de seguida, algumas das principais vitórias entretanto alcançadas.
12 de agosto de 1949
As Convenções de Genebra, que reúnem uma série de tratados, inéditos até então, passam a abarcar as normas que estão na base do Direito Humanitário Internacional, definindo os direitos e os deveres de pessoas, combatentes ou não, em tempo de guerra.
4 de novembro de 1950
Inspirada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, é elaborada a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, um tratado assinado pelos estados-membros do Conselho da Europa. Além de proteger os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos, institui a criação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
28 de maio de 1961
O advogado britânico Peter Benenson lança o movimento que acabará por estar na origem da criação da Amnistia Internacional, uma instituição global com mais de sete milhões de pessoas em mais de 150 países e territórios que luta para pôr fim aos abusos dos direitos humanos.
30 de novembro de 1973
Com a assinatura da Convenção Internacional sobre a Repressão e Castigo do Crime de Apartheid, a política de segregação e discriminação que vigorava na África do Sul sofre um revés. A partir dessa data, tanto essa diferenciação como essa separação passam a ser consideradas crimes contra a humanidade.
19 de junho de 1975
1975 é um ano de viragem para as mulheres. O México acolhe a primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres, que, além de alertar publicamente para o problema da condição feminina, institui o período 1976/1985 como a década para as mulheres, durante o qual é elaborada uma convenção para combater toda e qualquer forma de discriminação.
8 de março de 1977
A Organização das Nações Unida (ONU) institui o Dia Internacional da Mulher, para celebrar a luta histórica travada para melhorar as condições de vida das mulheres.
27 de junho de 1981
É adotada, no Quénia, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que tem por base a Declaração Universal dos Direitos do Homem. No entanto, só entrou em vigor em 1986.
10 de dezembro de 1984
É dado mais um passo na defesa dos direitos humanos com a assinatura da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, um instrumento essencial na luta contra a impunidade no caso dos crimes mais graves.
25 de maio de 1993
Para julgar, os muitos crimes internacionais cometidos naquele território europeu entre 1991 e 2001, é criado o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Jugoslávia. Além de genocídio, são muitas as queixas de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade.
25 de junho de 1993
Em Viena, na Áustria, realiza-se a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, marcada pela participação de muitas organizações da sociedade civil e pela reafirmação da universalidade dos direitos humanos. É criado o cargo de alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, atualmente ocupado pela ex-presidente argentina Michelle Bachelet.
1 de julho de 2002
O Tribunal Penal Internacional, o primeiro tribunal penal internacional permanente, é estabelecido em Haia, nos Países Baixos, onde está atualmente sediado, conforme estabelece o terceiro artigo do Estatuto de Roma, adotado em 1998, há precisamente 20 anos. Na altura, foi ratificado por 60 estados.
20 de dezembro de 2006
É adotada a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, um acordo que marca um ponto de viragem ao passar a reconhecer o desaparecimento forçado como crime.
16 de junho de 2011
O Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas aprova por unanimidade os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, um novo conjunto de normas globais para agentes económicos estabelecidas para assegurar que estes não violam os direitos humanos no decurso da sua atividade.
2 de abril de 2013
Aprovado pela Assembleia-Geral da ONU, o Tratado de Comércio de Armas Convencionais, que pretende regular este mercado, só entraria em vigor em 2014. Além de estabelecer normas para as transferências internacionais de todo o tipo de armamento, incluindo os tanques e os helicópteros de ataque, também define requisitos de cumprimento obrigatório pelos estados para a revisão de contratos de armas exportadas, de modo a garantir que estas não são usadas na violação de direitos humanos, de legislação humanitária, de terrorismo ou ainda em crime organizado.
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