Os antigos combatentes chamavam-lhes “madrinhas de guerra”, mas algumas das cartas que eles e elas trocavam eram de tal forma “atrevidas” que só com “bolinha vermelha” poderiam ser reproduzidas num qualquer programa de televisão.

“Muitas vezes, os combatentes aproveitavam as madrinhas de guerra para ‘despejarem’ toda a sua criatividade e todas as suas fantasias sexuais”, explicou hoje à Lusa José Manuel Lages, diretor científico do Museu da Guerra Colonial de Vila Nova de Famalicão.

Na quinta-feira, para assinalar o Dia de S. Valentim, aquele museu vai acolher uma tertúlia com alguns dos que viveram na primeira pessoa a experiência de escrever e/ou receber as cartas em cenário de guerra.

Como refere fonte municipal, trata-se de um “casamento improvável” entre uma unidade museológica que evoca um dos mais difíceis e sangrentos estágios da História de Portugal e uma efeméride “tão cor-de-rosa” como o Dia dos Namorados.

A iniciativa integra ainda a exposição temporária de algum do vasto acervo que aquele museu detém nesta área da correspondência de guerra.

José Manuel Lajes confessou “alguma perplexidade” na escolha das cartas da expor, face “às barbaridades e aos termos perfeitamente indecorosos” que muitas delas contêm.

“Mas também há cartas de verdadeiras madrinhas, de pessoas, como professoras, por exemplo, que escreviam aos combatentes apenas e só para lhes darem algum alento”, acrescentou.

As “madrinhas de guerra” eram quase sempre moças solteiras, sendo muitas vezes os respetivos endereços trocados entre os soldados.

Muitas vezes, as pessoas escreviam-se sem se conhecerem pessoalmente, mas há alguns desses casos que resultaram em casamento.

Ao fim de algumas cartas trocadas, as “madrinhas” enviavam fotos normalmente “de corpo inteiro”, para “mostrarem o que valiam”.

“Vestiam a sua melhor roupa, faziam a sua melhor pose e faziam questão que a foto fosse de corpo inteiro”, contou José Manuel Lajes.

Aparentemente, as cartas “sem pruridos” dos combatentes não as escandalizavam, já que as mulheres acabavam por alimentar esse “clima”, com respostas que “levavam sempre a sua pitadazinha de provocação”.

Os “aerogramas”, nome que tinham as cartas, eram disponibilizados pelo Movimento Nacional Feminino, não precisavam de selo e eram transportadas gratuitamente pelos aviões da TAP.

Por vezes, o saco com os aerogramas era atirado do avião, sendo sempre o momento da distribuição da correspondência aguardado com particular ansiedade pelos guerreiros.

“Eu tinha umas cinco ou seis madrinhas e recebia umas 19 a 20 cartas por mês. De que falava? Falava de tudo, era uma espécie de despejar o caixote. Falava-lhes de ser herói, falava-lhes de solidão, falava-lhes de medo, falava-lhes de malandrices”, recorda um antigo combatente.

13 de Fevereiro de 2013

Lusa