Desde os tempos mais remotos que os códigos secretos fazem parte das civilizações. Quase em simultâneo com a invenção da escrita, foram igualmente criadas formas dissimuladas de esconder mensagens e de as manter em segredo. No livro 50 Códigos que Mudaram o Mundo (edição Desassossego), o historiador Sinclar McKay explora mensagens ocultas e cifras secretas para narrar uma história humana. Uma obra que envereda o leitor nos templos da Grécia Antiga, à corte de Isabel I, de manuscritos antigos cujos códigos labirínticos contêm profecias de perdição, ao campo moderno da mecânica quântica.
Como nos relata o autor na introdução que faz ao livro: “Esta é, portanto, uma história paralela do mundo e da palavra escrita. Ela corre, qual rede invisível, pelos quatro cantos do globo, das abundantes areias vermelhas da Rota da Seda às glórias da antiga Pérsia, das estepes geladas da Rússia à opulência imaculada de Washington, em meados do século XX. Estas histórias sobre os inventores das cifras mais diabólicas e os génios que as deslindaram com a sua extraordinária perícia coexistem com muitos dos grandes acontecimentos dos últimos dois ou três mil anos”.
De 50 Códigos que Mudaram o Mundo publicamos o excerto abaixo:
Os Códigos das Civilizações Antigas: As profecias do Apocalipse
Tratou‑se de uma língua antiga que foi uma dádiva dos deuses e um meio de transmissão do saber, da ciência e das profecias. Em vez de um alfabeto, havia símbolos ricos e variados que cobriam todos os domínios, da agricultura aos movimentos celestes. Foi nesta língua codificada que foram transmitidos os segredos apocalípticos — uma cifra que abarcou toda uma civilização e o seu apocalipse também. Desde o seu desaparecimento, no século XVI, diversos decifradores de códigos de todo o mundo têm procurado descodificar o saber de uma cultura perdida. É um processo que ainda está em curso e o seu objeto são os glifos da civilização maia.
Durante centenas de anos, antes de a curiosidade de Cristóvão Colombo ter alterado os mapas do mundo, partes dos atuais México, Guatemala e El Salvador formavam a denominada Mesoamérica. Aqui nasceu a civilização maia. Tal como os romanos e os gregos da Antiguidade, no outro extremo do globo, os povos maias construíram uma cultura rica, caraterizada por uma arquitetura impressionante (zigurates), manjares que deixavam a boca em brasa (a ascensão do cultivo da malagueta), peças de escultura elaboradas e uma linguagem escrita elegante e complexa. Tal como na Europa, existia uma monarquia reinante e o poder era transferido de geração em geração por via da linhagem masculina. Os maias tinham plena consciência da importância da História e da relevância de manter registos documentais do passado. Entre eles havia matemáticos, não apenas os engenheiros responsáveis pelas espantosas edificações de pedra nas profundezas de florestas verde‑esmeralda, como também astrónomos que registavam a posição das estrelas e calculavam eclipses.
No seu período clássico, a civilização maia construiu prósperas cidades‑estado: cortes cerimoniais que eram autênticas maravilhas arquitetónicas, templos triádicos em forma de pirâmide e esculturas de grandes dimensões. E a literatura — por eruditos que escreviam em pergaminhos encadernados e de madeira — também floresceu. Na época em que as primeiras e ominosas sombras negras assomaram no horizonte — os navios do século XVI onde viajavam os exploradores espanhóis, que seriam prontamente seguidos por conquistadores gananciosos —, existia aqui uma cultura centenária com caraterísticas únicas, nomeadamente um calendário ritual de 260 dias.
Em algumas cidades maias, os invasores europeus foram tomados de uma loucura furiosa e destruidora, na sua busca pelas vastas reservas de ouro que estavam convencidos aí existirem. Noutras foi possível alcançar um compromisso e declarar uma trégua intranquila entre os povos indígenas e os que desejavam explorá‑los. Mas os invasores também trouxeram consigo um inimigo invisível impossível de derrotar: as doenças, contra as quais os habitantes locais não estavam naturalmente protegidos.
Quando entram em declínio, as civilizações costumam deixar abundantes vestígios. Todavia, com o passar dos anos e dos séculos, à medida que o modo de vida maia foi definhando, essas marcas foram sendo destruídas — os invasores fizeram tudo para erradicar a língua e os livros maias.
Os sacerdotes católicos que acompanharam as tripulações de conquistadores trataram de destruir os longos textos que encontraram, a pretexto de que era necessário eliminar o paganismo. Foi um crime terrível. Quando outros europeus perceberam, horrorizados, o que sucedera era demasiadamente tarde. Os poucos textos que conseguiram escapar à purga clerical foram preservados. E quase em seguida, da América Central ao coração da Europa, principiou uma busca com vista a resgatar este mundo perdido.
Nessa altura, porém, os investigadores depararam‑se com uma língua — os glifos maias — que se tornara num código secreto e com a inexistência de sobreviventes capazes de a descodificar. Teriam de procurar desvendar os seus significados secretos sem cábulas e sem auxiliares. O entusiasmo suplementar do projeto advinha do sentimento de perda de uma certa sabedoria vital cósmica. Acreditava‑se (e continua a acreditar‑se) que os eruditos maias que haviam observado o céu noturno e o Universo eram dotados de uma clarividência espiritual única a respeito de acontecimentos futuros e do que poderia suceder no mundo.
Um dos volumes de glifos que foram conservados recebeu a designação de Códice de Dresden. Quando foram resgatados, estes pergaminhos já tinham uma idade considerável, datando aproximadamente do século X. Estavam encadernados e totalizavam cerca de 78 páginas, constituindo um tesouro hipoteticamente valioso para todos os que conseguissem decifrar a sua linguagem. Na verdade, o livro não estava totalmente encadernado e uma parte do pergaminho encontrava‑se cuidadosamente dobrada em forma de acordeão. Quando desdobrado, revelou um conjunto de ricos e estranhos símbolos e imagens, e depois de aberto tinha mais de três metros de comprimento. A sua sobrevivência devia‑se unicamente ao capricho dos conquistadores espanhóis e, segundo se dizia, o Códice Dresden cruzara o oceano para ser oferecido a Carlos V, o imperador do Sacro Império Romano‑Germânico. Em 1739, Johann Götze, um erudito alemão — e conservador da Real Biblioteca de Dresden —, comprou‑o a um intermediário em Viena. E foi então que começou a ser estudado.
Um aspeto dos códigos maias que deu muito que pensar foi o sistema matemático das civilizações antigas e o modo como os números eram representados. A decifração deste enigma permitiu também compreender as complexidades dos minuciosos calendários inseridos no códice. Um dos seus cativantes mistérios envolvia os “Senhores da Noite”. Qual teria sido o papel destas figuras reiteradamente referidas no ciclo das horas? Ao longo de muitos anos, os glifos foram progressivamente desvelando alguns dos seus mistérios. Havia nove deuses, cabendo a cada um reinar de nove em nove noites. Alguns eram portadores de fortuna em tempos sombrios, outros eram divindades aziagas. Entre esses deuses contava‑se um deus da ilusão, um deus do milho e outro que tutelava o mundo dos mortos. Ao longo dos anos sucederam‑se nobres iniciativas intelectuais para traduzir estes símbolos, de outra forma impenetráveis, e estudiosos ilustres como Alexander von Humboldt interessaram‑se pelo tema. Mais do que isso, dificuldades como estas foram exercícios inovadores para problemas criptográficos mais contemporâneos.
Como explicar então a terrível profecia contida nos glifos maias, e que há alguns anos saltou para as primeiras páginas dos jornais, segundo a qual o mundo acabaria em 2012? Parece hoje ter‑se tratado de um equívoco e de uma leitura errada do código: o calendário maia, elaborado há muitas centenas de anos, terminava em 2012, mas precedia uma reinicialização cíclica, o que significava que uma longa era chegara, de facto, ao fim, mas seria imediatamente seguida pelo início de outra. A história terá tido uma grande repercussão por razões de outra ordem: o facto de a civilização (ocidental) moderna merecer de alguma forma ser castigada pelo terrível extermínio das civilizações maia e asteca e essa ser uma forma de os Senhores das Trevas exercerem o seu poder através dos séculos.
O trabalho de descodificação continua, havendo ainda muito a aprender com os glifos maias inseridos no Códice de Dresden e em fragmentos de outros textos que chegaram até nós. É uma descodificação infinitamente gratificante, pois todos os componentes desta civilização que possam ser decifrados são um contributo incomensurável para o conhecimento do nosso mundo.
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