Uma em cada três vítimas de violência doméstica permanece mais de dez anos na relação e, para combater este crime, é lançada hoje uma nova campanha nacional.
No âmbito do IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, que começou este ano e termina em 2013, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) lança hoje mais uma campanha de sensibilização para combater este flagelo.

"Esta é mais uma chamada de atenção para o problema da violência doméstica", explicou à Lusa a secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais, lembrando que "na maior parte dos casos as mulheres percorrem uma trajetória de violência que dura muitos anos".
Citando os últimos estudos nacionais, Teresa Morais recordou que "entre 36 a 39 por cento das mulheres suportam durante mais de uma década uma relação violenta".
Hoje, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, o executivo apresenta no Hospital Amadora-Sintra a campanha de sensibilização para 2011.

Até ao segundo trimestre deste ano, a forças policiais receberam 14.508 participações relacionadas com casos de violência doméstica. "Em 85 por cento dos casos as vítimas eram mulheres e em 15 por cento eram homens", acrescentou a secretaria de Estado.

A campanha será visível em anúncios nas televisões, jornais e rádios, mas também nos autocarros de Lisboa e Porto, onde serão afixados cartazes.
"Nas próximas três semanas a campanha vai estar presente com grande intensidade", garantiu a responsável.

Dados oficiais

Este ano já morreram 23 mulheres vítimas de violência doméstica, segundo dados do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), que indica que o número desceu quase para metade em relação a 2009.
Na maioria dos casos de homicídio e de tentativa de homicídio já existia violência na relação e "em algumas situações" o crime já era do conhecimento das autoridades, refere o relatório divulgado hoje pela associação União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).

Baseado em informações recolhidas na imprensa escrita até ao passado dia 11 de novembro, o OMA registou uma diminuição de homicídios quando comparados com o ano passado, sendo o número semelhante ao de 2007.
Nove em cada dez crimes aconteceram dentro de casa. As facas continuam a ser o instrumento mais utilizado pelos homicidas, sendo que em 30 por cento dos casos também foram usadas armas de fogo.

Este ano, uma em cada três vítimas (35 por cento) tinha mais de 65 anos, sendo comum o agressor ter também mais idade.
Os dados destacam ainda que foi nos meses de verão - agosto e setembro - que se registaram mais casos: quase metade dos homicídios(10)ocorreram nesta altura.
Já no que toca a tentativas de homicídio, o relatório aponta um aumento em relação ao ano passado: até 11 de novembro foram identificadas 39 tentativas, sendo que em 54 por cento dos casos os autores eram os companheiros das vítimas. "Em 36% das situações as relações já haviam terminado", refere o relatório.

As sobreviventes são habitualmente mulheres mais jovens, entre os 36 e os 50 anos. Da mesmo forma, quase metade (49%) dos agressores que atentaram contra a vida das mulheres tinha idades compreendidas entre os 36 e os 50 anos.

Vítimas relutantes em sair de casa

Cada vez mais mulheres vítimas de violência doméstica resistem a refugiar-se numa casa abrigo, preferindo viver com o agressor a perder o emprego, alertam as instituições que lidam com estes casos.
Os efeitos da crise económica já se fazem sentir no dia-a-dia da Associação de Apoio à Vítima (APAV) e da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV). Ali, garantem os técnicos, é cada vez mais difícil convencer as mulheres a sair de casa.

"As mulheres começam a não chegar (às casas abrigo) porque têm medo de deixar os seus trabalhos", conta à Lusa Maria Macedo, técnica do centro de atendimento da AMCV, adiantando que "as mulheres em perigo de vida, que se refugiam numa casa abrigo, não regressam mais às zonas que frequentavam. Têm de recomeçar tudo do zero, incluindo arranjar um novo emprego".
A decisão de abandonar o lar é um dos momentos mais difíceis de todo o processo e o último estudo nacional já indicava que uma em cada três vítimas aguenta durante mais de dez anos uma relação violenta.

João Lázaro, vice-presidente da APAV, também sente que "a atual crise leva a que muitas vítimas ponderem muito mais em dar o passo em frente e quebrar o silêncio, face às dificuldades económicas e financeiras de terem um projeto e uma vida alternativa sem violência". Resultado: "estão mais sujeitas à violência porque tentam aguentar ao máximo".
"A confirmar-se esta perceção das associações deste cenário preocupante, porque estamos a falar de um risco de morte", diz Teresa Morais, secretária de Estado da Igualdade.
Anualmente, são feitas cerca de 30 mil denúncias, existindo apenas 52 pulseiras no país. A secretária de Estado garante que não há falta de equipamentos, até porque "todas as pulseiras que foram necessárias até agora estavam disponíveis".

No caso do sistema de teleassistência, "dos 50 aparelhos existentes estão em funcionamento apenas 20", frisou.
Teresa Morais garante que os dois programas, que deveriam terminar em breve, vão continuar em funcionamento, sendo "intenção da tutela da igualdade e do Ministério da Justiça reforçá-los".

Reconhecendo as vantagens da aplicação de mais medidas de afastamento, a secretária de Estado diz que em 2012 deverão decorrer ações de formação para dar a conhecer estas ferramentas: "acredito que ainda haja muitos magistrados que não conheçam este sistema".
As três associações defendem "tolerância zero para este tipo de crime", lamentando a realidade percecionada pelos números: até ao segundo trimestre as autoridades receberam 14.508 participações de denúncias de violência doméstica mas, no terceiro trimestre do ano, estavam detidos nas cadeias portuguesas apenas 121 homens por violência doméstica.
As casas abrigo foram criadas como espaço de acolhimento temporário por seis meses, mas a crise tem vindo a prolongar a estadia das vítimas, por dificuldades na reorganização da sua vida.

25 de novembro de 2011