A tertúlia que a fadista Amália Rodrigues protagonizou em abril de 1992 no Martinho da Arcada, em Lisboa, orientada por Luís Machado, será apresentada em livro na quinta-feira no Museu do Fado em Lisboa.

O livro, intitulado “Confidências numa noite de primavera”, inclui a conversa de cerca de cinco horas entre o escritor Luís Machado e a fadista, e ainda uma cronologia da vida e carreira de Amália, várias fotografias, uma sintética biografia e uma lista selecionada dos álbuns da cantora.

“Esta tertúlia inseriu-se nas ‘Conversas à quinta-feira’ no Martinho da Arcada e foi já parcialmente publicada precisamente em 1992, numa obra que inclui excertos de todos os encontros realizados”, disse Luís Machado à agência Lusa.

“Notei quando ela chegou, com uma hora de atraso por achar que a tertúlia era às 21:00 e não às 20:00, que estava muito deprimida, pouco à vontade, cansada e um bocado desencantada”, recordou o autor.

“Um estado de espírito que se desanuviou ao longo da conversa, e a meio dela, Amália já estava animada, e o livro regista precisamente estas mudanças de humor”, referiu Luís Machado.

No prefácio à obra, o musicólogo Rui Vieira Nery afirma que esta conversa tem “a particularidade de ser, muito provavelmente, a última grande entrevista da artista, dada a um interlocutor para com quem é evidente da sua parte uma postura de empatia pessoal e de respeito intelectual, e de representar, por isso, um depoimento precioso para fixar o que eram o seu estado de espírito e o seu olhar sobre si mesma nessa fase derradeira da sua vida”.

“Para essa angústia, como a entrevista igualmente deixa bem claro, tinha contribuído muito o choque da onda de rejeição inesperada com que se deparara subitamente após o 25 de abril [de 1974], inclusive por parte de algumas pessoas do seu círculo tradicional de amigos ou visitas habituais de sua casa, deixando-lhe a partir daí um lastro depressivo de dúvida constante sobre o carinho que até então acreditara ser unânime à sua volta”, escreve ainda o musicólogo.

Nesta mesma série de tertúlias, além de Amália Rodrigues, na altura com 72 anos, marcaram presença, entre outros, o ex-Presidente da República Mário Soares e o arquiteto Álvaro Siza Vieira.

Para o autor, “muitas partes do livro têm uma grande atualidade, outras estarão ultrapassadas como a questão de Timor-Leste”.

“Timor-Leste preocupava-a e sentia-se impotente. Ela própria afirmava: ‘Se tantos políticos no mundo não conseguem fazer nada, o que posso eu fazer, não sei’”, contou Luís Machado, que realçou ainda o sentido de ironia da fadista.

“Há também uma Amália muito irónica e mordaz que perante algumas perguntas mais incómodas, com bastante argúcia e a sua sabedoria, dava muito bem a volta”, referiu.

Rui Vieira Nery faz notar que “quando se sentia desafiada por perguntas ou observações pertinentes, que estimulavam a sua inteligência viva e o seu enorme senso de humor, esse clima depressivo parecia desfazer-se e a sua conversa voltava a ganhar a vivacidade, a lucidez, a graça e por vezes a malícia que faziam da sua companhia”.

Ao longo da conversa, a criadora de “Povo que lavas no rio” falou de poesia, dos seus poetas favoritos – David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Mello e Luís de Camões - da música, e a sua preocupação de separação dos géneros poético-musicais, e afirmou-se como “cantora”.

“Ela própria disse que cantava fado, mas não queria apenas esse espartilho, pois cantava muitas outras coisas, de folclore a outras cantigas”, disse Luís Machado.

“Confidências numa noite de primavera”, editado pela Âncora, tem ainda um “posfácio tríptico” assinado por Eduardo Lourenço, “um fã confesso da fadista”, Carlos do Carmo e Cristina Branco.

A obra, amplamente ilustrada, será apresentada por Eduardo Lourenço e Guilherme d'Oliveira Martins, quinta-feira às 19:00, no Museu do Fado, em Lisboa, seguindo-se um momento musical com António Chaínho e Cristina Branco.

Lusa

08 de novembro de 2011