Porque Eu Mereço

1971. Uma jovem copywriter de 23 anos ousa escrever as palavras que mudariam a publicidade para sempre. "Porque Eu Mereço." Três palavras que não pedem licença, não justificam, não explicam. Apenas afirmam. Mas antes de se tornarem um ícone, encontraram resistência. Porque a publicidade, tal como o mundo, era dominado por homens.

Ilon Specht trabalhava na McCann Erickson, uma das maiores agências de publicidade do mundo. Era uma feminista convicta. E estava farta. Farta de ver as mulheres reduzidas a adornos, a objetos de desejo. Quando escreveu a tagline para a linha de coloração Préférence da L'Oréal Paris, não queria falar de beleza simplesmente para agradar aos homens. "Eles que se lixem" — disse ela durante um briefing.

O primeiro anúncio com o seu slogan não foi narrado por uma mulher. Em vez disso, um homem emprestou a sua voz para elogiar o cabelo feminino. Uma mensagem deturpada. Ilon insistiu. Lutou. Só dois anos mais tarde é que a frase ganhou a vida que merecia. Mudou-se para "Porque Eu Mereço", na sua forma definitiva. E então, o mundo também mudou.

Cartaz do documentário The Final Copy of Ilon Specht
Cartaz do documentário The Final Copy of Ilon Specht

Mais de 50 anos depois, a frase não perdeu a sua força. Tornou-se um manifesto feminista, um hino à autoafirmação e ao valor próprio das mulheres. E é esse o coração do documentário The Final Copy of Ilon Specht, realizado por Ben Proudfoot, duas vezes vencedor de Óscar pelos documentários The Queen of Basketball (2021) e The Last Repair Shop (2023). Com 17 minutos de duração, disponível no YouTube e Prime Video, a curta-metragem é uma homenagem a uma mulher vanguardista, falecida em abril de 2024, e à sua luta contra uma indústria que teimava em subestimar o género feminino.

A enteada de Specht, Alison Case, descreve-a como uma mãe que a ouviu de uma forma que ninguém antes conseguira. No documentário, emociona-se ao lembrar como Ilon rompeu barreiras, não apenas no trabalho, mas também na vida pessoal.

O filme mergulha também nos bastidores da publicidade nova-iorquina dos anos 60 e 70, num ambiente em que, como a série Mad Men tão bem retrata, era dominado por homens como Don Draper. Ilon, tal como Peggy Olson na ficção, teve de conquistar o seu espaço, enfrentando um mundo que não estava pronto para escutar mulheres a falarem para outras mulheres.

O impacto do seu trabalho não ficou apenas na tagline que criou. Não foi apenas uma revolução publicitária, foi uma mudança cultural. A frase sobreviveu às décadas, sendo traduzida para mais de 40 línguas e mantendo-se no centro da identidade da L’Oréal Paris. Em 1997, a empresa decidiu expandir o uso do slogan para além da linha de coloração Préférence, tornando-o a assinatura oficial da marca a nível global. Desde então, é a mensagem central da marca parisiense, sustentando campanhas e dando voz a mulheres de todas as origens.

A frase continua a ser estudada como um dos copys mais influentes da história. Uma simples combinação de palavras que ressignificou a relação das mulheres com os produtos que consumiam. Pela primeira vez, a publicidade dizia que não era sobre agradar aos outros. Era sobre si mesma. Sobre o seu valor.

Ao longo dos anos, muitas vozes poderosas deram vida à frase icónica. De Camila Cabello a Jane Fonda, passando por Andie MacDowell, Blake Lively, Jennifer Lopez, Viola Davis, Kate Winslet, Helen Mirren, Eva Longoria e Céline Dion, inúmeras mulheres emprestaram o seu rosto e a sua voz à marca, perpetuando a mensagem de empoderamento que Ilon Specht iniciou há mais de meio século.

Ben Proudfoot, vencedor de dois óscares
Ben Proudfoot, vencedor de dois óscares Ben Proudfoot, vencedor de dois óscares

Para Ben Proudfoot, o impacto de Specht vai muito além da publicidade: "O slogan ‘Porque Eu Mereço’ não era apenas um golpe de génio publicitário. Era uma declaração de identidade. Continua a desafiar, a inspirar, a mover o mundo.” O realizador acredita que esta história surpreenderá o público, tal como o surpreendeu a ele.

The Final Copy of Ilon Specht percorreu festivais de cinema e venceu prémios em eventos como o Tribeca Film Festival e o Lunenburg Doc Festival. Mais do que uma biografia, é um tributo a uma mulher que ousou pensar diferente e que moldou a história do marketing, da publicidade e do feminismo.

As palavras têm peso. Algumas desaparecem com o tempo. Outras ficam. As de Ilon Specht atravessaram décadas e não perderam força. Hoje, ainda são repetidas, recriadas, reinventadas. Porque se há algo que este documentário nos ensina, é que boas ideias podem mudar uma marca. As melhores mudam o mundo.