Estaremos verdadeiramente preparadas?
Todos os dias, nas sociedades ocidentais, mulheres e homens trazem para casa os seus bebés recém-nascidos. Após partos mais ou menos intervencionados, e que felizmente resultam, na grande maioria dos casos, em bebés saudáveis, chegam a casa. Muitos fizeram cursos de preparação para o parto onde treinaram em bonecos de borracha como mudar uma fralda ou dar banho ao bebé, leram quase uma dezena de livros e manuais, pesquisaram na Internet e ouviram com atenção as explicações da enfermeira na maternidade.
Trazem consigo a perceção mais ou menos vaga de sorte “porque tudo correu bem”. Mas muitos, paradoxalmente, sentem-se também angustiados e inseguros. Numa sociedade urbana, muitos pais nunca contactaram com um recém-nascido em quase trinta anos de vida. Trazem no colo um desconhecido.
Cada vez mais longe vai o tempo em que a “preparação para o parto” era feita desde a infância. Há apenas algumas décadas, as famílias alargadas viviam mais próximas. Havia mais bebés, os casais tinham mais filhos. Principalmente em contextos rurais, era habitual que as crianças mais crescidas se ocupassem dos pequenos e em algumas culturas os bebés tanto são carregados pelas mães, como pelos irmãos mais velhos, mesmo que estes tenham apenas sete ou oito anos.
Claro que o impacto de ter o nosso próprio bebé nos braços não é comparável a ter qualquer outro bebé, mas a verdade que é mais fácil saber o que é um bebé real, quando à nossa volta já contactámos com irmãos mais novos, sobrinhos, primos, os bebés das primas e das vizinhas.
Com as mudanças sociais, as migrações urbanas e as taxas de natalidade em queda, hoje escasseiam bebés à nossa volta. Os bebés tornaram-se um bem raro nas nossas sociedades ocidentais. E os que existem deixaram de ser criados em comunidade, à vista de outros, como acontecia há menos de um século.
Hoje a maternidade e a paternidade vivem-se em privado. Nunca os pais se prepararam tanto para a chegada de um bebé. As gravidezes são muitas vezes planeadas e adiadas para a altura mais propícia. A informação abunda. As listas com o que comprar para o enxoval do bebé, o que levar para a maternidade, os produtos obrigatórios para isto e aquilo, tudo está à distância de um clique na Internet.
Se pararmos um pouco em frente à secção de livros de parentalidade numa qualquer livraria, é fácil encontrarmos nos títulos expressões como “tudo o que deve saber”, “guia indispensável” ou “manual para sobreviver”.
À falta de bebés reais, a sociedade oferece-nos manuais de instruções que falam de um bebé geral, que descrevem o que é “normal” tendo por base, não a realidade única de cada bebé, mas médias e generalizações. Obviamente que não seria possível escrever um livro sobre cada bebé que existe e, portanto, qualquer manual que possa encontrar numa livraria não falará, naturalmente, do seu bebé.
Mas isso não é dito às mães. O que lhes é prometido é que irão “aprender a cuidar do seu bebé”. Luís Januário, pediatra, escreveu um texto brilhante a este respeito para um blogue que mantínhamos há uns anos: Por cada criança, um enxoval de roupa de marca, uma cama de grades à medida, uma cadeira de transporte modelo A, um carrinho de rodas, uma saca de necessaires, uma espreguiçadeira, uma banheira, a gama completa da linha de beleza infantil, o cartão do cidadão, o cartão de saúde, o cartão das vacinas.
Não se vê a criança? Que importa? O que interessa é a ideia de criança. O sentimento de paz e de tranquilidade que a ideia de criança transporta e que a parafernália, mesmo ocultando a criança real, só por si desencadeia.
Não me entendam mal. Eu não critico nem tenho nada contra a preparação da logística que um bebé traz às nossas vidas. Também eu, grávida de primeira vez, escolhi carrinho, alcofa, roupinhas para os primeiros dias, produtos para o banho, fraldas descartáveis.
A questão que se coloca, que se me colocou quando me vi com um bebé real — com o meu bebé — nos braços é a mesma que encontro em tantas e tantas mães que mais tarde vim a acompanhar: Será que a forma como atualmente nos preparamos para a chegada do bebé nos ajuda verdadeiramente a ligar-nos a ele?
A resposta não é simples. Para algumas mulheres, a transição é pacífica e natural, enquanto outras sentem um verdadeiro abismo entre o que imaginaram e a realidade que estão a viver.
Na verdade, muitas de nós preparamo-nos para ser mães com as ferramentas habituais das sociedades modernas: listas, regras, manuais de instruções e de procedimentos.
O que não nos ocorre é que esta forma de nos prepararmos é quase puramente racional e cultural, quando aquilo que nos espera é o encontro com o nosso lado mais escondido e primitivo.
Nas semanas após o parto, somos mães que recebem e cuidam da cria, tal como fizeram as nossas mães connosco, as nossas avós com as nossas mães e as nossas antepassadas pré-históricas. Podemos não nos reconhecer em todas estas mulheres longínquas, mas, na verdade, o bebé que temos ao colo é semelhante a todas nós: um produto da evolução que carrega informação genética preciosa que lhe permitiu a sobrevivência até chegar ao dia de hoje, mas sobre o qual, afinal, quase ninguém nos falou. Um desconhecido com quase 200 mil anos.
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