“Porque é que o meu bebé não dorme?” é a pergunta que a psicóloga clínica Mafalda Navarro mais houve nas suas consultas. Uma pergunta que a especialista em sono transpõe para o livro que entregou aos escaparates nacionais, Ajude o Seu Bebé a Dormir (edição Manuscrito). A propósito do lançamento deste título, conversámos com a autora sobre questões que assomam a todas as mães e pais: quais são as condições ideais para o sono do bebé? Como preparar uma boa noite de sono para a criança? De que forma o nosso ritmo de vida, quantas vezes frenético, pode estar a influenciar as horas de descanso dos pequenos?
Para Mafalda Navarro, há que não esquecer a individualidade do bebé. “O desafio da maternidade é exatamente este, de descobrir o que me pede o meu bebé” explica-nos, sublinhando a importância de pararmos e olharmos para o bebé que temos à nossa frente: “andamos constantemente a ouvir opiniões, a ler nas redes sociais, e esquecemo-nos de seguir o nosso instinto, de ler os sinais do nosso filho”.
A autora centra a sua atenção na família e nas necessidades dos filhos, “porque acredito na individualidade da família, e que cada caso começa do zero”.
Em anos recentes, assistimos à publicação de inúmeros livros sobre o sono do bebé. O que distingue das demais a obra que a Mafalda Navarro agora lança?
Há muito tempo que sentia que havia necessidade de ter um livro escrito por uma psicóloga nesta problemática tão exigente para os pais. A minha forma de trabalhar distingue-se em muitos aspetos de outras pessoas que também acompanham famílias nesta área. Neste sentido, este livro acaba por se diferenciar do que já está publicado, exatamente porque os princípios, regras e teorias que me caracterizam enquanto psicóloga do sono se afastam de muito conteúdo que encontro. O meu maior objetivo quando o escrevi foi que os pais pudessem encontrar, nestes casos clínicos, as suas próprias famílias, os seus próprios medos, assim como as suas próprias dúvidas.
A meu ver, o que mais maltrata o sono dos nossos filhos, tem sido a dificuldade dos pais em pararem e olharem para o bebé que têm à sua frente.
Uma rápida pesquisa na internet devolve-nos dezenas de resultados sobre o sono do bebé e a forma de como com ele lidarmos. Há perigo em seguirmos alguns destes programas de “treino” para pais e bebés sem o aconselhamento de um profissional preparado para estas questões?
A meu ver, há sempre perigo quando sigo indicações que foram escritas para outro bebé, para outra família, sem ter em atenção os aspetos individuais de cada um. Estamos a falar de pessoas, estamos a trabalhar com pessoas, não posso concordar que exista uma fórmula que se encaixa em todas as famílias. O desenvolvimento de um bebé atravessa diversas etapas, que não são estáticas, nem surgem da mesma forma em cada bebé. Deste modo, não é recomendável que sejam sugeridas estratégias sem ter noção do que aquele bebé precisa neste exato momento.
Porque fizemos do sono do bebé um tema assustador, onde cabe grande parte dos medos dos futuros pais e mães?
Não considero que falemos dele como um tema assustador, sinto apenas que é um assunto a que damos maior importância. E ainda bem que assim o é. Hoje, sabe-se muito mais sobre o sono do que há uns poucos anos. Sabemos mais sobre a sua necessidade, assim como lidar com ele.
Considera que a sociedade que criámos maltrata o ritmo natural do sono do bebé?
Atribuo mais ao ritmo que levamos no nosso dia a dia, com a importância que damos ao trabalho, termos uma vida acelerada, e ainda à facilidade de comparação com as outras famílias. A meu ver, o que mais maltrata o sono dos nossos filhos, tem sido a dificuldade dos pais em pararem e olharem para o bebé que têm à sua frente. Andamos constantemente a ouvir opiniões, a ler nas redes sociais, e esquecemo-nos de seguir o nosso instinto, de ler os sinais do nosso filho.
Ainda no que respeita ao peso social, é lícito afirmarmos que atualmente se assiste a uma espécie de competição, eventualmente potenciada pelas redes sociais, que poderíamos intitular: “o meu bebé dorme melhor do que o teu”?
Sem dúvida. O marco de uma noite completa de um bebé define, erradamente, as qualidades de uma mãe e de um pai. Tanto que oiço muitas vezes pessoas a exagerar, ou mesmo a alterar, a realidade que têm em casa, por sentirem que serão malvistas se contarem o que efetivamente se passa durante a noite. As redes sociais exigem perfeição, imagens bonitas, mães extremosas e sem olheiras.
A Mafalda Navarro é mãe. O que aprendeu com o sono dos seus filhos?
Aprendi que tenho de olhar para eles, antes de pensar na teoria. Aprendi a ler os sinais que me mostram o que estão a pedir. Aprendi que o que mais precisam é de pais presentes e atentos. Aprendi que perdoam sempre, e que o dia seguinte é uma nova oportunidade para melhorar.
Como podemos definir um sono normal no bebé?
Há que começar por ver como decorre a noite. Não é expectável que um bebé com um mês durma dez horas seguidas, mas é suposto que comece a fazer intervalos de três horas de sono, e que vá acordando para comer. Não revela um sono de qualidade, um bebé que acorde de hora em hora, ou mesmo de duas em duas horas. Significa que não está a descansar como deve, e que existe algo de errado que o está a fazer acordar com tanta frequência. Depois, é também essencial avaliar o próprio dia do bebé, isto é, como é o seu comportamento quando está acordado. Se está bem disposto entre sestas, se consegue comer bem, porque está com energia para isso, se adormece sem choro, ou ainda a própria duração e frequência das sestas.
Qual é a primeira coisa que pergunta aos pais, desesperados com o sono do seu bebé, que se apresentam na sua consulta?
Porque quiseram marcar consulta. O meu trabalho parte sempre do que os pais gostavam de corrigir, em que aspetos os posso ajudar, onde precisam de ajuda. Porque acredito na individualidade da família, e que cada caso começa do zero.
Há alguma “fórmula mágica”, capaz de conduzir a um bom sono do bebé?
Há sim, e é o bebé que nos mostra qual a sua fórmula ideal. Cada um terá a sua, cada bebé precisa dos seus ajustes. O desafio da maternidade é exatamente este, de descobrir o que me pede o meu bebé.
Podemos afirmar que o sono do bebé depende mais do entorno que criamos do que da criança em si? O próprio título do seu livro não omite a palavra “ajude” o seu bebé a dormir.
O sono do bebé depende do entorno que criamos para aquele bebé, sempre com a premissa de avaliar o que aquele bebé precisa para conseguir descansar. No meu livro o meu maior objetivo é ajudar os pais a identificarem exatamente qual o melhor ambiente para o seu filho, que necessidades ele precisa de ter asseguradas, e desta forma que sejam capazes de ajudar o bebé a descansar.
Uma boa noite de sono prepara-se com as 12 horas que a antecedem, que devem obviamente incluir as sestas que o bebé precisa. Mas, até estas pausas, devem ser avaliadas consoante as necessidades do bebé.
Uma boa noite de sono prepara-se, antes, com uma boa sesta?
Uma boa noite de sono prepara-se com as 12 horas que a antecedem, que devem obviamente incluir as sestas que o bebé precisa. Mas, até estas pausas, devem ser avaliadas consoante as necessidades do bebé. Devemos sempre ter cuidado com o que ele precisa, e, mais uma vez, não comparar com o bebé vizinho. Porque mesmo tendo a mesma idade, podem-se encontrar em fases diferentes, que exigem momentos de descanso também diferentes. Só gostava de deixar aqui bem presente a ideia de que as sestas são decisivas para o descanso noturno. Um bebé extremamente cansado não será capaz de relaxar e descansar devidamente.
Não podemos descartar a existência de perturbações do sono no bebé. A que indícios devemos estar atentos?
Não é suposto serem os pais a identificar uma perturbação de sono num filho. Os pais devem sempre comentar com o médico que os acompanha sobre o sono do filho, para que ele avalie então a presença de algum distúrbio. No entanto, sinais como ressonar, fazer apneia, dormir de boca aberta, ou de cabeça inclinada para trás, ou ainda movimentos exagerados com as pernas podem ser sinais de alarme, que devem ser partilhados com alguém especialista em sono.
Extrapolemos um pouco em relação ao sono do bebé. As nossas crianças e jovens estão a dormir bem?
Acredito que estão a dormir cada vez melhor, porque vejo uma crescente preocupação com o sono de todos, miúdos e graúdos. É certo que surgem cada vez mais condicionantes que prejudicam a qualidade do sono, mas também existem cada vez mais pessoas especializadas em sono com vontade de contribuir para que mais famílias se sensibilizem para as boas práticas de sono. Ainda agora passámos por uma pandemia, que veio prejudicar muito a qualidade do nosso descanso, e a verdade é que temos as consultas cheias de famílias que o querem corrigir. Vejo que tanto escolas como empresas se interessam em melhorar o padrão de sono de toda a gente, assim como as próprias famílias procuram cada vez mais por ajuda especializada porque acreditam na importância que o sono tem para toda a gente.
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