A 25 de maio chegou o alerta: “Se todos os países do mundo consumissem como Portugal, o cartão de crédito ambiental teria de ser acionado”. Ou seja, nesse sábado primaveril, Portugal já havia gasto todos os recursos disponíveis para o presente ano. Contas feitas, 21 dias mais cedo face a 2018.
Um alerta deixado pela Zero, associação ambientalista, que Luis Rodrigues, Diretor Regional das Pescas dos Açores, recordou na abertura do simpósio que decorre em Lisboa a 27 e 28 de maio, o “Sangue na Guelra”. Na sua intervenção, este responsável trouxe um olhar “sobre o maior território marítimo da Europa, os Açores” e ilustrou-o trazendo aos presentes no simpósio uma imagem com uma espécie destas águas atlânticas, “o Atum Rabilho. Uma das espécies mais emblemáticas da região. Constatámos que, a cada ano, se estava a pescar metade daquilo que se capturava no ano anterior. Acresce que 85% das embarcações de pesca açorianas são licenciadas para a pesca do atum. Menos pesca traz um enorme impacto nas famílias”, sublinhou Luis Rodrigues, recordando o efeito de escala: “Temos três fábricas que ocupam 900 pessoas”. Havia que descobrir as razões para esta quebra do recurso marinho. E, aqui, a narrativa entronca na questão da sobrepesca.
“Nos últimos anos entraram cerca de 500 operadores da pesca do cerco no Atlântico. Nos Açores, a pesca do atum faz-se com salto e vara”. Em suma, como sublinhou o Diretor Geral, “num só lance de pesca do cerco podem vir à rede 300 toneladas de atum, tanto quanto os Açores capturam num ano com o método tradicional. Tínhamos de dar o alerta. Há que recordar que falamos de uma espécie migratória, não é um recurso existente todo o ano nas águas nacionais”.
“Fizemos um memorando em diferentes línguas e no encontro anual da entidade que faz a gestão internacional do atum estive presente. São reuniões intensas, com mais de 50 países à volta de uma mesa, todos eles defendendo uma cota. Quando, finalmente, consegui chegar ao debate, descobri que a mesma pessoa que representava a pesca de lance nos Açores era a que representava o cerco. Fiz, então, lobby com organizações ambientais. Tivemos um encontro internacional de pesca de salto e vara [Conferência Internacional sobre Pesca de Atum de Salto e Vara, decorrido em 2017]”.
Um episódio que deu a Luis Rodrigues pretexto para trazer ao auditório reunido em Lisboa, um retrato sobre os “oceanos, o maior reservatório de água do planeta. Devemos pensar no ciclo da água. A que temos dentro da garrafa que seguramos na mão esteve no oceano. Este dá-nos oxigénio, o oceano purifica o ar. É, também, a fonte de proteína selvagem. Oitenta por cento das espécies do planeta vivem neste habitat. Conhecemos apenas 10% deste meio. Estamos a esgotar os oceanos sem antes os conhecermos”.
“A cada dez anos, a política para a pesca altera-se. Uma parte das regras chega-nos de Bruxelas. Porque alteramos a política a cada década? Porque há nova tecnologia, novos pescadores, novos barcos”, substancia Luis Rodrigues para, depois responsabilizar todos os cidadãos: “A cada década, todos nós somos convidados a participar na construção dessas regras. A ferramenta que agiliza o processo de discussão chama-se ´Livro Verde da Reforma da Política Comum das Pescas`. No último livro era referido que 90% dos recursos marinhos estão sobrexplorados. Repare-se, um quarto do que se pesca na Europa é para fazer farinha para alimentar animais domésticos. Um quinto do que se pesca no Velho Continente é acidental e rejeitado. Trinta porcento dos ecossistemas marinhos na Europa estão colapsados, não voltarão a ser o que eram”.
Para o orador, “temos, enquanto consumidores, de garantir a mudança. Variar as espécies de peixe consumidas. A maioria das pessoas consome as mesmas quatro ou cinco espécies marinhas”.
“Em 2001 discutia-se a política de pescas e corríamos o risco de perder uma parte do território marítimo português, passando para a gestão de Bruxelas. Eu não via essa discussão pública acontecer. Quisemos levar a questão à Assembleia da República. Tínhamos de reunir 75 mil assinaturas. As pessoas não compreendiam a real dimensão do que estava a acontecer. Na Universidade, pedi aos meus alunos que desenhassem Portugal. Desenhavam terra, mas esqueciam-se de toda a Zona Económica Exclusiva Nacional. Ou seja, nós não incorporámos o mar no nosso imaginário como um território que é nosso”.
Luis Rodrigues desmistificou o mar dos Açores: “Ao contrário do que se imagina, nós temos muito pouco peixe. Porquê? Porque a maior parte do peixe precisa de um fundo com luz. Nós, nos Açores, temos um mar abissal, com mais de três mil metros de profundidade. Pescamos na orla das ilhas e locais que já foram ilhas, erodiram-se, tornando-se bancos de pesca”.
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