“Este é um dano enorme na biodiversidade da Serra da Estrela, porque o incêndio atinge uma área muito vasta e também em diferentes altitudes — há áreas destruídas em zonas situadas a 600 metros até pontos situados nos 1.500 metros. Esta heterogeneidade de espaços afetados resulta numa enorme perda, porque afeta muitos habitats diferentes”, disse José Conde, biólogo do Centro Interpretação da Serra da Estrela (CISE), estrutura da Câmara de Seia.

Ressalvando que a avaliação no terreno ainda não foi feita, o especialista realçou que, face à extensão do incêndio, “todos os grupos de fauna e flora terão uma perda verdadeiramente severa”.

Pela área afetada, o processo de luto “será muito longo e penoso” e a recuperação lenta, alertando que “algumas perdas poderão ser mesmo irreparáveis porque altera-se o equilíbrio do ecossistema”.

“Houve vários habitats de maior importância ecológica que foram afetados, em particular, bosques de azinheiras, bosques de castanheiros, algumas áreas de carvalhais e ainda áreas de mato, nomeadamente caldoneirais”, formações arbustivas raras no país dominadas pela planta caldoneira, que são um habitat importante para várias comunidades de insetos, répteis e aves, frisou.

Para além da importância destes habitats para a conservação da flora, há “a lamentar uma perda correspondente ao nível da fauna, que é muito significativa, em particular algumas espécies mais raras, com distribuição mais local”, salientou.

Répteis como a víbora cornuda, o sardão, ou espécies de grilos e escaravelhos que apenas existem na Serra da Estrela, assim como pequenos carnívoros como as fuinhas e as ginetas terão sido afetados, referiu.

“Estamos a falar de impactos transversais a todos os ecossistemas terrestres”, salientou.

No caso das aves, em que a Serra da Estrela também apresenta uma grande diversidade, haverá espécies com menor capacidade de expressão que poderão ter sido fortemente atingidas, enquanto aves de maior porte, apesar de terem a capacidade de “escapar às chamas e de se deslocar para zonas não atingidas, muito rapidamente não terão alimento disponível”, notou.

Também as espécies aquáticas terão a sua sobrevivência “muito condicionada” num futuro próximo, face à possibilidade de contaminação das águas com sedimentos e cinzas resultantes dos incêndios, apontou.

Toda a fauna que sobreviver às chamas “vai ter grandes dificuldades, porque os habitats já não lhes vão oferecer a mesma disponibilidade de refúgios e de alimentação”, referiu o biólogo.

“Todos temos a lamentar as perdas económicas e sociais, que são a prioridade, mas, no futuro, devemos procurar adotar um conjunto de medidas de gestão que permita, da melhor forma, compatibilizar as atividades humanas com a conservação da natureza. Teremos que ir de mãos dadas — o desenvolvimento local e a conservação. Só dessa forma podemos ambicionar ter um sistema mais resiliente ao fogo e às perdas que ele implica”, salientou José Conde.