É enfermeira diretora do Hospital de Cascais e assessora do conselho de Administração da Clínica Europa, em Carcavelos, onde nos recebe no seu gabinete todo virado para o mar.

Aos 50 anos, Isabel Pereira Lopes faz um balanço extremamente positivo do caminho percorrido e orgulha-se de tudo o que conseguiu. Para esta mulher que trabalha dez a doze horas por dia, felicidade é o momento em que vê os filhos a rir e a brincar uns com os outros.

Ser enfermeira é uma vocação de criança?

Eu sabia que, à partida, tinha apetência para a relação com as pessoas, e, como a minha mãe também é enfermeira, acabou por influenciar a minha decisão, embora, para fazer a vontade ao meu pai, devesse ter seguido talvez gestão ou economia, áreas que não eram a minha vocação.

Como foi o seu percurso?

Fiz o curso na província – sou de Castelo Branco – mas nunca quis ficar lá, queria conhecer outras realidades. Queria dar um salto maior. E, como os meus pais tinham casa em Lisboa, resolvi inscrever-me no hospital de Santa Cruz, tido como muito rigoroso na altura e onde era muito difícil entrar...

Que idade tinha?

Ia fazer 22 anos. Dentro do hospital passei por várias funções mas, como entretanto casei, surgiu a oportunidade de ir para Macau com o meu marido. E lá parti em busca de novos desafios. Tenho um filho que nasceu em Macau, e, em vez de três anos, ficámos seis.

Trabalhou em Macau?

Estive sempre a trabalhar no hospital português durante os seis anos que passei lá e até fiz uma especialização. Tive a oportunidade de abrir uma pequena unidade de queimados com uma equipa multicultural, foi um privilégio trabalhar com aquela equipa. Também dei muito de mim, tem a ver com as minhas características, procuro deixar sempre algo de meu por onde quer que passe.

A multiculturalidade deve ser fascinante...

Aprendi imenso, a ser tolerante com as diferenças e até aprendi a falar cantonês para poder comunicar com a maioria dos doentes. No hospital havia enfermeiras de diferentes culturas, chinesas de Macau, da china, filipinos, birmaneses, indianos, entre outros. Procurei dar o meu contributo e fiz o meu trabalho final da especialização na área da multiculturalidade na saúde, este tema continua a fascinar-me!

Quantos filhos tem?

Tenho três rapazes, o que nasceu em Macau, com 22 anos, e gémeos com 14, que nasceram cá. Têm sido muitos desafios, uns atrás dos outros.

Quando voltou para Lisboa, foi trabalhar para onde?

Voltei para o hospital de Santa Cruz e fui colocada nos cuidados intensivos, e lá fiz as “minhas mudanças” sempre acreditando que não fazemos porque sim mas porque implica uma melhoria...

Convive bem com as mudanças?

Gosto de fazer parte da mudança. É desafiante, é um estado de espírito. Pouco tempo depois, pediram-me para integrar a comissão de controlo de infecção, e, logo de seguida, houve um mega projeto: o objectivo era conseguir a certificação de Qualidade do hospital inteiro pelas normas internacionais ISO, e, apesar de ainda estar de licença de parto dos gémeos, aceitei de imediato mais este desafio.

E a seguir sai do hospital?

Ainda não. Antes disso, fui convidada a chefiar um serviço complexo com muitas particularidades que toda a gente dizia ser o serviço mais difícil do hospital, mas no final, julgo que com a excelente equipa que tinha conseguimos fazer um trabalho muito bom e até conseguimos a certificação de uma Unidade do serviço.

Quanto tempo ficou à frente do serviço?

Mais de quatro anos. Foi então que uma pessoa que acompanhou o meu trabalho, me convidou para integrar outro projeto, a primeira parceria público-privada -o Hospital de Cascais. E assumi o cargo como enfermeira diretora do hospital de Cascais. Ficámos um ano a gerir os dois hospitais antigos e a preparar, planear e equipar o novo, onde já estamos há mais de três anos.

Apesar da gestão já ter mudado algumas vezes...

Até à data sempre me convidaram a continuar e eu vou ficando, continuam os projetos e os desafios. Durante este percurso, fiz formação, frequentei um mestrado em gestão de serviços de saúde e uma pós-graduação – Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde.

Quando surge a Clínica Europa?

A Clínica Europa surge muito antes. Conhecemo-nos praticamente desde que cheguei de Macau, em 1996. O projeto e o convite foram-me apresentados por um médico amigo, hoje Diretor Clínico da Clínica Europa. Assisti à transformação e crescimento desta clínica. Inicialmente era uma vivenda que prestava serviços de Saúde, nomeadamente consultas e exames complementares de diagnóstico. Hoje é um hospital com mais recursos, muito bem equipado, com excelentes profissionais e com esta vista privilegiada para o mar.

Com muito trabalho e com boa vontade. Passo pela clínica algumas vezes por semana e estou sempre disponível ao telefone. Trabalho, em média, cerca de 10 a 12 horas por dia.

Trabalhar estas horas por dia com três filhos, não deve ser fácil!

Com muita organização e apoio consegue-se. A família é o grande suporte para conseguir. Se não corresse bem, possivelmente não conseguiria fazer tanta coisa...  A vida é um jogo de equilíbrios, e, o mais importante, é conseguir equilibrar o essencial. Por isso, tento sempre conciliar, assumo que sou uma conciliadora.

É uma cuidadora?

Também. Gosto de cuidar de tudo o que está à minha volta, e, além disso, ainda procuro dar apoio aos amigos e à família.

Gosta de receber amigos em casa?

Adoro. Tenho muitas vezes a casa cheia porque o meu hobby é a cozinha e quem gosta de cozinhar, gosta de receber...

O que a descontrai?

Para além de cozinhar, passear a pé com o meu marido e conversar. Como o meu pai tem uma casa nas Azenhas do Mar, quando estou por lá fazemos grandes passeios a pé. E, sempre que posso, adoro viajar... Conhecer outras paragens é das coisas que mais gozo me dá.

Está preocupada com o rumo do país e o futuro dos filhos?

Muito. Quem não está? Embora não dramatize como vejo toda a gente fazer: sair do país não é nenhum drama. Eu também saí e voltei. O drama é saber se o país tem capacidade de criar condições para que os jovens que partem hoje possam voltar daqui a alguns anos...

Não há esperança?

É preocupante porque ninguém nos diz de que forma é que o país vai ser sustentável. As pessoas estão preocupadas com a saída, eu estou preocupada com o regresso!

O que é um momento de felicidade?

É um momento em qualquer hora do dia. Por exemplo, o momento em que vejo os filhos a rir e a brincar uns com os outros, ou estão satisfeitos a contar as suas peripécias a mim e ao pai. A felicidade é feita destes momentos!