Nasceu no Porto, cresceu em Trás-os-Montes, foi estudante universitária em Coimbra e vive em Lisboa. Foi assistente de bordo na TAP, diretora de uma revista, tradutora de um best-seller americano, e é instrutora de Safety numa Escola de Tripulantes de Cabine.

Eugénia Dobrões conhece parte do mundo como poucos e adora escrever. “Água de Amor” foi o seu primeiro romance e “Olhos de Chinesa”, um livro de experiências no interior da China. O romance “Vivi com um Tuaregue” já vem a caminho. Fomos ouvir esta autora de alma aberta e olhos postos nas pessoas, “a única matéria que vale a pena sentir”.

“Olhos de Chinesa” é um livro de viagens?

É antes um livro de “venha viajar comigo”, porque eu não faço roteiros. De facto, andei a viajar e encontrei pessoas, as pessoas são o meu objectivo. Para a maioria dos turistas, a China é Xangai, Pequim ou Cantão, mas a China, que é do tamanho de um continente inteiro, é completamente diferente, quer a cultura, as tradições, a alimentação e até as temperaturas...

As amplitudes térmicas são enormes?

Fui na Primavera, no Verão e no Inverno, falta conhecer a China no Outono. No Verão, os melhores locais a visitar são as regiões do Nordeste da China, a leste da Mongólia e na fronteira com a Coreia do Norte. Estive lá no pino do Verão, em Agosto, e as temperaturas oscilavam entre os 5 e os 15 graus. É em Harbin que se fazem os festivais do gelo que são conhecidos no mundo inteiro.

Trocou impressões com outros viajantes da China?

O escritor António Graça de Abreu, que viveu na China mais de 30 anos, escreveu agora “Toda a China”, uma obra em dois volumes, excepcional. Teve a gentileza de estar no meu lançamento e disse-me que o meu livro era, sem dúvida, diferente das descrições de viagens que todos fazem. A China é diferente, tem de se sentir, com alma...

É por isso que nunca vai com nada programado?

Quase toda a gente que vai à China vai com a viagem  organizada. Como eu tenho lá amigos, contrato-os lá, pago-lhes a estadia e as viagens, e levam-me para onde eu quero ir. Tudo o que conheci na China nada tem a ver com os percursos que as agências de viagens organizam. Pretendo ir a lugares longínquos, alguns bastante inacessíveis e que obrigam a longas caminhadas.

Como se desloca na China?

Viajo sobretudo de comboio e autocarro. Fiz a Rota da Seda de uma forma difícil quase de mochila às costas e com percursos de muitas horas de autocarro, um grande atrevimento. Também cheguei a fazer viagens de longas horas seguidas de TGV. Nós europeus, não temos a noção do que é viajar de comboio naquele país,  os chineses são aos milhões por toda a parte. Adorava sentar-me no chão nas estações a ver passar as pessoas!

Gosta de observar as pessoas?

Gosto muito. Gosto de ver como se movimentam, o que carregam, que tipo de indumentária usam, como se comportam, e sobretudo olhar para os rostos das pessoas num quase exercício de adivinhação.... São essas as emoções que passei para o papel, o que está no livro.

Toma apontamentos durante a viagem?

Sempre. Viajo com os meus caderninhos e tomo nota de tudo: o nome dos lugares por onde vou passando, o que comi, as particularidades dos locais e das pessoas e acima de tudo quis entrar dentro da alma de tanta gente, um quase impossibilidade, porque são fechados..., de poucos sorrisos.

Quando voltou fez uma pesquisa sobre os locais por onde andou?

Claro que sim. Antes de ir e depois. Tive a preocupação de situar o que escrevia dentro de um contexto histórico. A China é a história viva e isso entra pelos nossos olhos. A China do ano passado não é a China de há quatro anos, nem de há oito ou dez. Está sempre a mudar e nós presenciamos constantemente essa mudança.

Evolução em que sentido?

A primeira vez que fui à China vi centenas de bicicletas na rua, agora não há bicicletas, só no interior e muito raramente... As cidades do interior são megacidades com quilómetros de edifícios enormes ao longo das avenidas. Os edifícios estão quase todos vazios, fazem parte de um programa governamental de apoio à construção,  numa espera silenciosa aguardam que venham hordas do interior para serem habitados.

Essas pessoas do interior vivem como?

Em bairros da periferia, em condições muito parcas. Mas constatei que prevalece o culto pela família. Os chineses não abandonam os velhos, bem pelo contrário. O apego à família é bem visível, assim como o carinho com que tratam os idosos, quer seja nos lugarejos mais recônditos do interior, quer seja nas grandes cidades.

São acolhedores?

Muito. Convidam-nos a entrar em suas casas e repartem a refeição connosco se preciso for.  Estive em Changbai, nas montanhas que acolhem o Heaven Lake onde não havia um único europeu ou americano, e mesmo pouco habituados à nossa presença, trataram-me sempre muito bem, largos sorrisos e mãos em prece. 

Foi a melhor viagem da sua vida?

Não. A melhor ainda está para vir. Estou sempre à espera de fazer a melhor, mas esta foi uma das mais complicadas da minha vida. Desta vez só viajei de autocarro e comboio, o que torna tudo mais difícil. Nas viagens anteriores desloquei-me de avião.

O país é seguro?

Completamente seguro. Esse desconforto que nós sentimos na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, lá não existe. Ninguém tira nada a ninguém! Estão demasiado ocupados, o tempo é um bem que não desperdiçam

Também trabalham os dias inteiros sem parar?

De manhã à noite. Está sempre tudo aberto. E são muito inventivos: do nada fazem tudo!

Faz estas viagens sempre sozinha?

Desta vez fui com dois amigos, mas a meio da viagem, todos seguimos destinos diferentes. Andei quase sempre sozinha, acompanhada dos meus intérpretes chineses.

A riqueza já é visível?

Demais. Em Xangai, Pequim e Cantão, mas sobretudo em Xangai, a riqueza impressiona. Veem-se grandes carros, as avenidas cheias de trânsito onde mal se consegue circular; as casas também são impressionantes e até os centros comerciais têm a clientela estratificada por andares. Há pisos só com marcas verdadeiras onde se passeiam chineses vestidos da cabeça aos pés com essas marcas. Há outros pisos de contrafações, onde circulam os europeus, e chineses de menores posses.

Os restaurantes também são diferentes?

Há restaurantes para todos os gostos e bolsas, com oferta dos melhores produtos e a preços variáveis.

A comida é boa?

Em nada semelhante aos restaurantes chineses que existem em Portugal. Aliás, no livro também falo disso. Os chineses habituaram-se a comer  tudo porque a luta pela sobrevivência continua muito presente.

Apanhou mesmo o gosto pela escrita?

Claro que sim. E vou continuar a escrever. Tenho demasiadas emoções dentro de mim que me abafam, sinto necessidade de as pôr cá fora. Tenho tanto para escrever sobre tantas coisas: de viagens e não só. Gosto de ir ao encontro do imaginário das pessoas. Fui convidada agora para com dois poemas integrar uma colectânea de poesia de vários autores, num livro cujo título é A ESSÊNCIA DO AMOR, a sair brevemente.

O próximo livro, que ainda vai ser apresentado este ano, “Vivi com um Tuaregue”, é mais um livro de viagens?

O livro é um romance, onde as viagens no deserto estão presentes. Partilhei o dia a dia com eles e com as suas famílias, dormi ao lado das tendas deles, aprendi vocábulos e tradições.

Vai voltar à China?

Claro que sim. Enquanto puder não deixarei de ir à China. É um amor-paixão, aliás a China tem 23 províncias e eu só conheço 11, ainda falta muito. Sinto que tenho muito a aprender com os chineses.

Qual vai ser a próxima grande viagem?

À Malásia. Outro lado do mundo que me atrai muito.