Será possível modular as células estaminais neurais da medula espinal para conseguir uma recuperação após uma lesão?

Esta é uma das mais perguntas que mais tem intrigado Ana Ribeiro, 32 anos, investigadora no Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, doutorada em biologia celular e do desenvolvimento pela University College London, no Reino Unido.

Os mamíferos têm uma capacidade muito limitada de regeneração celular que os impede de recuperar após uma lesão na espinal medula. Devido à falta de terapias eficazes, a lesão da medula espinal tem efeitos permanentes nos seres humanos, com sintomas que variam entre a dor e a paralisia, como nos casos de paraplegia e tetraplegia. Ao contrário dos mamíferos, os peixe-zebra possuem uma capacidade notável de recuperar a função motora após lesionarem a espinal medula.

Esta capacidade regenerativa e a facilidade de manipulação genética dos peixes-zebra adultos é o ponto de partida da investigação de Ana Ribeiro, que se propõe estudar os mecanismos que regulam a regeneração da medula espinal. Perceber como a medula espinal do peixe-zebra adulto é capaz de formar novas células após uma lesão e de como estas células ajudam a restabelecer a estrutura da medula espinal e a recuperar a sua função poderá ajudar a compreender quais são os fatores que impedem ou limitam a regeneração nos mamíferos.

Esta investigação, premiada com uma Medalha de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência em janeiro de 2013, pretende compreender ainda como poderá este bloqueio ser ultrapassado. Idealmente, este conhecimento ajudará a descobrir como poderão ser moduladas as células estaminais neurais presentes na medula espinal dos mamíferos, incluindo dos humanos, de modo a produzir novas células de diferentes linhagens e contribuir para o desenvolvimento de terapias mais eficientes para as lesões da medula espinal.

Em entrevista à Saber Viver, a investigadora descreve o que o representa para si ver o seu trabalho científico distinguido com um prémio monetário de 20.000 euros por um painel de especialistas, aponta caminhos para a evolução do seu projeto e fala das dificuldades que as mulheres enfrentam para trabalhar como cientistas e investigadoras em Portugal.

O que representa para si ganhar este prémio?

A atribuição deste prémio vai ser importante para a progressão deste trabalho, não só porque é muito encorajador ver reconhecido o potencial do projeto, mas também pelo incentivo pecuniário.

Qual é a maior inovação do projeto que acaba de ver distinguido e qual a aplicação prática que poderá vir a ter?

Penso que a maior inovação deste projeto é o uso do peixe-zebra para estudar a regeneração de lesões da medula espinal. O peixe-zebra é capaz de regenerar espontaneamente a sua medula espinal após uma lesão. Além disso, é um organismo de manutenção simples e de fácil manipulação genética, o que o torna um bom modelo para estudar este processo.

Se conseguirmos perceber quais as estratégias que o peixe-zebra usa para formar novas células na medula em resposta a uma lesão e como estas células contribuem para a recuperação funcional podemos usar esse conhecimento para tentar desenvolver terapias mais eficientes para lesões da medula espinal.

Veja na página seguinte: A origem do interesse pela regeneração da medula espinal

Fazer o que faz atualmente era um sonho de criança? Se não era, como surgiu o gosto por estes temas?

Na verdade, só durante a faculdade pensei seriamente em investigação como carreira, tendo decidido que era algo que gostava de prosseguir quando fiz o estágio num laboratório de investigação.

Não sei bem quando surgiu o meu interesse pela regeneração da medula espinal, mas é uma área de eleição desde que decidi fazer o doutoramento. Talvez tenha a ver com o facto de a minha mãe ser fisioterapeuta e, por isso, desde cedo eu ter contactado com pessoas com paralisias e visto como isso afeta as suas vidas.

É difícil ser investigadora e mulher em Portugal?

Para fazer investigação em Portugal é preciso ter perseverança e gostar muito do que se faz, porque é um trabalho com pouca estabilidade e em que o financiamento pode ser muito incerto. Quanto à especificidade de ser mulher a fazer investigação em Portugal, nunca senti que houvesse preferência por homens ou mulheres na escolha de um candidato.

Texto: Luis Batista Gonçalves