Sofia Sousa Abreu tem hoje 47 anos. Ex-educadora de infância, tem uma empresa de produtos ultra-congelados com o marido e é coordenadora do Núcleo Regional do Sul do Movimento Vencer e Viver da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Contou à Prevenir a sua história. «26 de Julho de 1999 foi a data da cirurgia. Os sinais que me fizeram despertar surgiram uns bons meses antes. Os meus filhos tinham três e cinco anos e eu só tinha dado de mamar ao mais novo, durante cerca de dois meses, mas comecei a sentir o que pareciam ser subidas de leite», recorda.
«Não estimule, isso é normal. Tem 32 anos, não tem história familiar de cancro, tem dois filhos, deu de mamar», dizia-lhe o ginecologista. «Não dizia para não me preocupar, mas ficava subentendido. Uma vez, ao fazer a cama dos meus filhos, que era um beliche alto, fiz movimentos mais fortes com os braços, fiquei com a camisa de noite pingada de leite», recorda. «Isto não é normal, tenho de ir ver o que é», pensou na altura. Uns dias depois, procurou uma opinião médica.
O diagnóstico
«Insisti em fazer uma mamografia, que nunca tinha feito. Detetaram microcalcificações, insistiram para eu falar com o médico nesse dia», relembra Sofia Sousa Abreu. «Vamos ter de abrir e tirar, com o anatomopatologista ao lado, e ele logo vê o que é», disse-lhe o médico. «Hoje rio-me de mim própria por causa do desgosto que tive por saber que ia ter uma cicatriz. O meu sogro, que era médico, indicou-me outro especialista. Repeti a mamografia e ele disse tudo igual», refere.
«Se eu fosse sua filha, quem é que me indicava?», perguntou. «Esse médico disse-me que havia 99 por cento de hipóteses de eu ter cancro de mama», recorda. «Eu sou o um por cento», respondeu. «Mas perguntei o que é que acontecia se fosse cancro e ele disse que teria de fazer uma mastectomia. Fui falar com o cirurgião plástico sobre a hipótese de reconstrução, tratei de tudo e lá fui com a esperança do um por cento. Quando acordei, a primeira coisa que fiz foi pôr a mão no peito. Estava toda ligada, percebi logo o que tinha acontecido», diz.
Os tratamentos
«Fiz quatro ciclos de quimioterapia. Podia não ter feito, mas como tinha 32 anos, era muito nova, o médico achou melhor prevenir. Comecei a 30 de agosto, o dia de aniversário da minha mãe. E terminei em novembro. O cabelo caiu-me, mas não fiquei maldisposta nem vomitei. Na altura em que tive o diagnóstico ia começar a procurar emprego (o jardim de infância onde eu trabalhava tinha fechado), mas acabei por deixar tudo para trás e dar o meu tempo à doença», afirma Sofia Sousa Abreu.
«Há quem não tenha essa hipótese e tenha de ir directamente para o trabalho depois da quimioterapia. Depois fiz cinco anos de tamoxifeno (medicamento antiestrogénico), um comprimido por dia. Engordei ligeiramente, de resto não senti diferenças. Não me afetou o sono, só me levantava para beber um copo de água», desabafa ainda.
A reconstrução
«Era importante para mim fazer reconstrução da mama. Tinha 32 anos, queria ir à praia e usar biquíni. Falei com o cirurgião plástico e, como o médico que me operou não se opôs, saí da cirurgia já com um expansor, que foi sendo cheio aos poucos para a pele esticar. A quimioterapia terminou em novembro e em março ou abril fiz a cirurgia de reconstrução. É mais dolorosa que a mastectomia, mas eu queria muito», confessa.
«Há hipótese de ser com retalho abdominal ou dorsal, mas no meu caso foi com silicone. Quando vi a primeira vez, no pós-operatório, tinha muitos pontos», relembra. «Meu Deus, no que é que me meti?», pensou. «Uma reconstrução não é ter a mama exactamente igual à que se tinha mas, hoje, estou muito contente com o resultado final», assegura Sofia Sousa Abreu.
Veja na página seguinte: Como os filhos de Sofia Sousa Abreu reagiram à doença
O papel de mãe
«Os meus filhos não sabiam o nome da doença, mas sabiam que a mãe tinha uma ferida na maminha, que tinha ido tratá-la, que estava a tomar uns remédios que faziam cair o cabelo. Nada foi escondido. Eles andavam no jardim de infância e eu não quis dizer porque há muitas pessoas que morrem de cancro. Dependendo da idade, pode dizer-se tudo sem dizer a palavra. Mas é muito importante dar informação, não esconder», recomenda.
«Senão sentem que há algo no ar e começam a ficar inseguros», adverte. «Tentei não os prejudicar. A quimioterapia cansa muito, por isso dormia a sesta todos os dias e quando eles chegavam levava-os à natação e fazia programas com eles. Só mais tarde, quando me envolvi no voluntariado e comecei a aparecer e a dar testemunhos, é que lhes disse que era cancro», refere. Mas já tinha passado tanto tempo que eles apenas disseram «Ai é? Está bem, mãe…», recorda.
A missão (in)voluntária
«Um ano após terminar a quimioterapia, o meu marido teve uma proposta de trabalho e fomos morar para os Estados Unidos da América (EUA). Quando voltámos, três anos depois, participei numa corrida do Movimento Vencer e Viver e conheci uma voluntária que foi a minha inspiração. Apresentei-me para a entrevista e comecei a fazer um turno de três horas por semana. Aos poucos fui ficando mais envolvida», reconhece Sofia Sousa Abreu.
«É uma missão, tem de se sentir esta vontade interior e assumir o compromisso. As mulheres vão ter connosco, acompanhadas ou não, e estamos lá para escutar o que nos querem dizer, nomeadamente em termos de medos, receios, angústias, alegrias. Têm o direito de chorar e, às vezes, é muito difícil fazerem- no ao pé da família porque não querem preocupá-la», sublinha Sofia Sousa Abreu.
«O espaço que proporcionamos é muito especial porque o tempo é delas. Às vezes, esquecem-se do mundo lá fora e falam, falam, falam... Para algumas é preciso uma ajuda psicológica mais profissional. Além disso, temos próteses, soutiens e outros materiais para as que fizeram cirurgia», acrescenta ainda a voluntária da organização.
Ser esperança
«Por que é que faço isto? Porque é muito pertinente. Falar com alguém que teve cancro de mama e recomeçou a vida faz muita diferença. A nossa experiência serve para se identificarem connosco, não para dar testemunho, criticar, avaliar ou comparar. Fazemos visitas no Instituto Português de Oncologia (IPO) e em outros hospitais e, quando conseguimos falar com uma mulher antes da cirurgia (dizemos o nosso nome, há quanto tempo fomos operadas, o que fazemos, onde e quando nos podem procurar), perguntamos se querem falar, nota-se nas caras o brilho da esperança», reconhece Sofia Sousa Abreu.
Para muitas interlocutoras, essas visitas funcionam como que um bálsamo de ânimo. «Se elas estão aqui, com este aspeto, e se eu passasse por elas não diria que tinham tido cancro, eu também posso... Eu também posso! Por isso é que a deteção precoce é tão importante, para os médicos terem a hipótese de nos ajudarem mesmo», acrescenta ainda a voluntária.
Veja na página seguinte: A vida depois do cancro
Depois do cancro
«A vida muda, apanhamos um grande susto, ficamos cheias de medo, percebemos como somos frágeis. As taxas de sobrevivência ao cancro da mama são elevadas, mas é sempre uma incógnita. Vamos ouvindo parabéns porque passou um ano, dois, cinco... Quando passam dez, somos convidadas a dar espaço a outros no IPO, passamos a ser seguidas pelo médico de família e percebemos que o grande perigo já passou, mas nunca se diz que estamos curadas», adverte Sofia Sousa Abreu.
O período mais conturbado passou mas não foi esquecido. «Eu e o meu marido assinalamos a data da cirurgia, recebo sempre um ramo de flores. E lembro-me sempre da data em que terminou a quimioterapia e cheguei aos EUA, foi um recomeçar para a vida. Não sei se já era assim antes, mas o meu copo está sempre meio cheio, a vida diverte-me. Temos de dar valor ao que temos. Nunca faria este voluntariado se não tivesse tido cancro e gosto mesmo de o fazer», conclui.
3 conselhos de Sofia Abreu:
1. Conheça o seu corpo. Observe-o e esteja atenta a qualquer alteração fora do normal e persistente, para poder relatar o que sente ao médico. Não espere.
2. Procure o médico se encontrar algum dos sinais de alerta, nomeadamente alterações do aspeto ou palpação da mama ou mamilo, nódulos, sensibilidade, alteração do tamanho ou forma da mama, retração do mamilo, pele escamosa, vermelha ou inchada, perda de líquido.
3. Se lhe foi detetado cancro, procure um médico em quem confie e tenha esperança na medicina, que está muito avançada e oferece muitas hipóteses.
Autoexame da mama
Faça-o uma semana após o fim do fluxo menstrual:
- Em frente a um espelho, observe a forma, simetria, cor e textura da pele de cada mama e mamilo, fazendo movimentos circulares com os dedos.
- Levante os braços, colocando as mãos sobre a cabeça, e verifique se surgem assimetrias ou pele repuxada.
- Aperte suavemente os mamilos e observe se sai alguma secreção.
- Deite-se, coloque um dos braços debaixo da nuca e palpe a mama com a mão oposta, verificando se existem nódulos ou outras alterações.
Texto: Rita Miguel com Luis Batista Gonçalves (edição internet)
Comentários