Cerca de 10% das gestações são complicadas por um mau funcionamento da placenta. Nestes casos, o fluxo de sangue da mãe para o feto é comprometido e este recebe pouco oxigénio e nutrientes. Como consequência o crescimento fetal é afetado. Quando a estimativa de peso do bebé está abaixo do percentil 10 para a sua idade gestacional, no contexto de mau funcionamento da placenta, dizemos que o feto tem uma restrição de crescimento de causa placentária. Esta pode ser precoce quando é diagnosticada antes das 32 semanas de gestação, ou tardia quando é diagnosticada depois desta data.
Após a exclusão de outras causas de restrição de crescimento fetal, como infeções, a interpretação dos fluxos de sangue entre a mãe e o bebé permite a diferenciação entre os fetos pequenos mas saudáveis e os fetos com verdadeira restrição de crescimento. Nestes últimos o seu peso e bem-estar é avaliado através de ecografias periódicas, isto é, conseguido à custa da análise e interpretação dos seus movimentos, líquido amniótico e fluxos de sangue para os vários órgãos.
Quando o mau funcionamento da placenta se agrava e não é capaz de responder às necessidades vitais do bebé, existe um risco considerável de morte fetal. Nestes casos, dependendo da idade gestacional, é considerada a programação do nascimento para diminuir este risco. A maior parte dos fetos com restrição de crescimento fetal nasce então prematuramente (antes das 37 semanas), o que condiciona uma imaturidade de alguns órgãos e um risco aumentado de patologia oftalmológica e pulmonar, entre outras. A decisão do melhor momento para nascer resulta de um balanço entre o risco de morte fetal e os problemas associados à prematuridade e é ainda um enorme desafio clínico.
Sabemos que o baixo peso ao nascer é a segunda maior causa de mortalidade perinatal em todo o mundo, sendo responsável por até 10% de todos os custos em saúde com crianças. Adicionalmente, estima-se que a restrição de crescimento fetal possa ser responsável por metade de todas as mortes fetais.
Esta patologia justifica ainda cerca de 40% de todos os partos induzidos antes das 37 semanas de gestação, condicionando nestes recém-nascidos prematuros um risco aumentado de défice auditivo e visual, sequelas neurológicas e pulmonares, entre outras.
Para além do crescimento deficitário, o funcionamento insuficiente da placenta nestas situações condiciona alterações nos vários órgãos e sistemas do recém-nascido. Isto acontece porque quando existe escassez de nutrientes e oxigénio o feto direciona a sua energia preferencialmente para os órgãos mais importantes, como o coração e o cérebro, prejudicando indiretamente órgãos com funções menos nobres. É por isso que, estes bebés, além de nascerem pequenos para a sua idade e com sequelas da prematuridade, têm uma maior probabilidade de virem a ter problemas no futuro – nomeadamente diabetes, hipertensão ou alterações cognitivas.
Para além dos riscos fetais, nestas situações as grávidas têm ainda um risco aumentado de complicações hipertensivas durante a gravidez, como a pré-eclâmpsia (com uma incidência de até 60% nestas gestações), que podem pôr em risco a segurança da mãe e obrigar a uma interrupção precoce da gravidez.
Se existirem causas modificáveis (como o tabaco, aumento ponderal insuficiente da grávida ou stress laboral) alguns estudos sugerem que o repouso laboral da mãe ou a introdução de alterações no seu regime alimentar poderão ser benéficos.
Na ausência de fatores modificáveis, atualmente, não há qualquer tratamento disponível para esta situação, sendo que as recomendações se limitam à vigilância do bem-estar materno e fetal, até ao momento em que algum destes está comprometido e programa-se a este ponto o parto dependendo da idade gestacional.
Vários grupos se têm dedicado ao estudo desta patologia, com o intuito de encontrar um tratamento ou medida que possa melhorar as consequências da restrição de crescimento fetal, até à data sem sucesso. Um grupo português, da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, propôs recentemente que a utilização de agentes anticoagulantes nestas grávidas pode ser útil neste contexto. Este protocolo de estudo ganhou o Prémio MSD de Investigação em Saúde, com uma bolsa de 10.000 euros, e será implementado nos próximos meses. A comprovar-se esta hipótese, poderá ser aprovado o primeiro tratamento para esta grave patologia.
Um artigo da médica Catarina Palma dos Reis, a vencedora do prémio.
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