A infertilidade é uma doença. Actualmente considerada uma evidência, esta afirmação estava longe de ser consensual em 1978, quando nasceu o primeiro «bebé proveta» gerado através de Fecundação in vitro em Inglaterra (Louise Brown), depois em 1982 em França (Amandine) e finalmente em Portugal, 1986, no Hospital de Santa Maria, Lisboa, pela equipa do Prof. Pereira Coelho.
Mais de 30 anos depois, a infertilidade não só é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, como existem em Portugal 15 centros autorizados pela Direcção Geral de Saúde a ministrar técnicas de procriação medicamente assistida.
Por outro lado, estão actualmente previstas na legislação portuguesa mais quatro técnicas para além da inseminação artificial. E, segundo o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, em 2005, estas técnicas foram responsáveis por 0,9% do número total de nascimentos.
Tal como o acontecimento de 1978 só foi possível graças às investigações profundas dos anos 60 e 70, os sucessos da actualidade devem-se aos progressos técnicos e às transformações sociais dos últimos anos. Foi sobre este tema que falámos com Mário Sousa, especialista em Medicina de Reprodução Laboratorial e responsável pela introdução em Portugal de várias técnicas de procriação medicamente assistida.
Potencial de sucesso
Além da inseminação artificial, constam da lista de técnicas autorizadas em Portugal a ferilização in vitro, a microinjecção ou ICSI, a transferência de embriões, gâmetas ou zigotos e o diagnóstico genético pré-implantação, além de outras técnicas laboratoriais complementares.
Algumas apenas foram criadas nos últimos 15 anos, mas todas elas beneficiaram da evolução natural dos conhecimentos científicos: «As taxas de sucesso de hoje dependem do conjunto de todas as evoluções técnicas. A medicação, os meios de cultura, de congelação e os métodos de estimulação de ovulação de há 15 anos não têm nada a ver com o que é feito agora», sublinha Mário Sousa.
O grande avanço neste âmbito foi a possibilidade de se cultivar embriões «não à volta de dois ou três dias, como se fazia antes, mas até ao quinto dia, os chamados blastocistos, já quase na fase de serem implantados». Graças a esta evolução, é possível obter «taxas de gravidez que rondam os 40% a 50%, se os embriões forem bons».
Outro aspecto decisivo foi a melhoria dos meios de cultura, ou seja, das soluções de nutrientes utilizadas para sementeira dos gâmetas: «Tínhamos taxas de fecundação e de desenvolvimento embrionário relativamente baixas e agora chegamos a ter 80% graças a essa melhoria».
As técnicas que mais se destacaram nos últimos 15 anos
1. Criopreservação
Embora não seja uma técnica de reprodução propriamente dita, os últimos 15 anos não seriam iguais sem ela. Falar de criopreservação é falar de congelação, um processo essencial para a conservação do material biológico a que recorrem as outras técnicas.
Embora a criopreservação de espermatozóides já seja feita em Portugal desde os anos 80 (a inseminação intra-uterina foi introduzida em Portugal por Alberto Barros, em 1985), nos últimos anos foram introduzidas a criopreservação de ovócitos, tecido ovárico, tecido testicular e embriões. A grande utilidade está no facto de permitir que pacientes submetidos a tratamentos oncológicos que afectam a fertilidade possam, previamente, congelar sémen ou ovócitos, de modo a poderem ter filhos mais tarde.
Embora «infeliz e incompreensivelmente» esta ainda não seja uma prática comum em Portugal, Mário Sousa defende que «qualquer rapaz que já tenha esperma e precise de iniciar um tratamento de radioterapia ou quimioterapia deve pedir ao seu médico para congelar as amostras de espermatozóides que puder, de modo a poder ter filhos mais tarde».
No caso das mulheres, a criopreservação só é possível mediante a estimulação dos ovários, o que implica que seja feita com alguma antecedência prévia aos tratamentos.
«Pode-se também pedir a criopreservação do córtex do ovário antes do tratamento (já há algumas crianças nascidas após transplante) ou então pedir a um especialista em Medicina da Reprodução que faça um tratamento especial antes e durante os tratamentos oncológicos (Prof. Dr. Pedro Xavier).»
Quanto à forma como se congela os ovócitos ou embriões, a última novidade chama-se vitrificação: «Os óvulos são arrefecidos directamente para a temperatura de 192 graus negativos. É uma técnica mais barata e rápida que o tradicional arrefecimento progressivo», explica Mário Sousa.
2. Microinjecção
Originária da Bélgica (1991) e introduzida em Portugal em 1994 por Alberto Barros e Mário Sousa, a injecção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI) ou microinjecção representa a primeira abordagem das técnicas de procriação medicamente assistida à infertilidade masculina: «Foi um avanço fulcral para rapazes que têm poucos espermatozóides para uma fertilização in vitro, que têm muitos mas por exemplo não são móveis, ou que têm muitos espermatozóides mas uma má morfologia», revela o especialista.
Nesta técnica, a recolha dos gâmetas feminino e masculino é feita da mesma forma que na fertilização in vitro (estimulação ovárica para as mulheres e masturbação para os homens). Depois, o procedimento envolve seleccionar um único espermatozóide, que «é injectado directamente no interior do óvulo para possibilitar a fertilização com contagens de espermatozóides muito baixas ou com espermatozóides não-móveis», esclarece a Associação Portuguesa para a Infertilidade (API).
A partir de 1994, esta técnica passou a ser sinal de esperança também para homens sem espermatozóides (azoospermia): «Esta foi uma revolução maior ainda. Fez-se as primeiras experiências com sucesso aspirando directamente do testículo as células imaturas dos espermatozóides, os espermatídeos», explica Mário Sousa. Desta forma, passou a ser possível realizar tratamentos em homens que não ejaculam, quer por limitações físicas (caso dos paraplégicos) quer psicológicas.
A aspiração também serve para todos os casos de azoospermia obstrutiva, por exemplo inflamações, sequelas cirúrgicas, ausência congénita dos canais excretores.
A biópsia testicular também permitiu recuperar espermatozóides testiculares de situações de défice severo de produção de espermatozóides (azoospermia secretora), como no síndrome de Klinefelter.
3. Doação de ovócitos
A doação de ovócitos é utilizada em situações em que a mulher não possui ovários, em que os ovários não produzem ovócitos ou quando estes são geneticamente anormais.
«Em primeiro lugar, efectua-se uma consulta com o casal para se recolherem os dados físicos e uma amostra de sangue da mulher, enquanto que o homem procede à colecta do sémen que, de seguida, é criopreservado. O centro procurará então uma dadora compatível o que poderá demorar em média seis meses», explica Mário Sousa.
A estimulação ovárica da dadora, a recolha dos óvulos e a fecundação com o sémen do casal receptor são efectuadas como na fertilização in vitro e a taxa de gravidez é geralmente de 50-60%.
Em Portugal já se efectua regularmente a doação de ovócitos, mas o recrutamento de mulheres (as ofertas são dirigidas directamente às clínicas ou aos Hospitais/Maternidades) é mais difícil por questões tradicionais portuguesas.
«Em Espanha, as jovens oferecem os seus óvulos muito facilmente, geralmente raparigas universitárias. A oferta é tanta que os ovócitos são criopreservados por vitrificação e assim, quando uma mulher necessita de ovócitos doados, só se tem de se procurar no banco uma dadora compatível, tal como sucede com a doação de sémen.»
4. Diagnóstico genético pré-implantação
Esta técnica permite a detecção de doenças genéticas através da análise de cromossomas ou de uma fracção dos genes. Na prática, permite que casais com este tipo de doenças possam ter filhos saudáveis.
O procedimento começa pela estimulação ovárica da mulher. Depois de recolhidos, os ovócitos são submetidos à microinjecção e, ao terceiro dia de desenvolvimento, submetidos a uma biópsia. Após o quinto dia de desenvolvimento, são transferidos apenas os embriões que não possuem doenças genéticas, em função dos resultados da biópsia.
Trazida para Portugal pela equipa de Mário Sousa e usada pela primeira vez em 1998 para detectar a doença dos pezinhos, esta técnica pode também aplicar-se na selecção de embriões compatíveis com um irmão gravemente doente à espera de transplante. Considerada uma sucessora do diagnóstico pré-natal, poderá no futuro vir a aplicar-se a casais com risco de transmitirem aos filhos doenças como o cancro. Mas, para isso, será preciso esperar pelos resultados das investigações sobre o genoma humano.
Texto: Rita Miguel com Mário Sousa, especialista em Medicina de Reprodução Laboratorial
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