O risco de instabilização aumenta nos doentes com controlo insuficiente dos fatores de risco cardiovascular, estilo de vida menos saudável e cumprimento pouco rigoroso da medicação.
No nosso país temos assistido a uma melhoria muito significativa do prognóstico do doente com EAM na fase intra-hospitalar, contudo, o risco de repetição de eventos cardiovasculares permanece elevado após a alta hospitalar. Com efeito, 1 em cada 5 doentes que sobrevivem ao internamento hospitalar apresenta um novo evento (morte cardiovascular, EAM ou acidente vascular cerebral) durante o primeiro ano após EAM e 20% dos doentes sem complicações cardiovasculares no primeiro ano sofrem um novo evento nos 3 anos seguintes.
A pandemia, ao dificultar a acessibilidade aos cuidados de saúde para monitorização dos fatores de risco, renovação de receitas médicas e realização de exames ou tratamentos, veio agravar de forma determinante o prognóstico do doente coronário. Com efeito, nos períodos de confinamento, os doentes têm demonstrado níveis mais elevados de stress emocional, maior receio de procurar ajuda médica, maior dificuldade em praticar exercício físico e manter uma alimentação saudável.
Tudo isto se traduz num risco acrescido de instabilização da doença coronária e, no caso de infeção pelo SARS-CoV-2, num maior risco de desenvolver formas graves da Covid-19.
Se é doente coronário, não desanime: a sua doença é um problema, mas com soluções disponíveis e eficazes.
Cuidados fundamentais do doente coronário em tempos de pandemia
A adoção de um estilo de vida saudável e a adesão à terapêutica instituída constituem os cuidados primordiais no doente coronário. Para evitar a progressão da doença e a recorrência de Enfarte Agudo do Miocárdio, importa fazer um controlo rigoroso de todos os fatores de risco cardiovascular, tendo como objetivos:
- Deixar de fumar
- Reduzir os níveis de colesterol para os alvos recomendados: LDL <55 mg/dL e redução de pelo menos 50% em relação aos níveis basais
- Controlar os valores de pressão arterial (<130/80 mmHg)
- Otimizar o controlo glicémico (açúcar no sangue) no caso dos doentes diabéticos ou pré-diabéticos
- Adotar uma dieta saudável (semelhante à Mediterrânica): pobre em gorduras saturadas e açucares; rica em vegetais, peixe e fruta; pobre em sal (<5g/dia); ingestão limitada de álcool
- Praticar exercício físico de acordo com a idade, o nível de atividade prévia e as limitações físicas: idealmente 30 min, 5 dias/semana de exercício aeróbico moderado ou 15 min, 5 dia/semana de exercício aeróbico vigoroso
- Manter um peso saudável (Índice de Massa Corporal entre 20-25 Kg/m2)
- Gerir e controlar a ansiedade
- Cumprir rigorosamente a medicação prescrita, durante os períodos definidos pelo Médico Assistente
Como estes objetivos são mais difíceis de atingir no contexto do confinamento e distanciamento social necessários durante a pandemia, sugerimos algumas dicas que poderão ser úteis:
- Mantenha uma rotina diária: defina uma hora saudável para levantar e deitar, programe atividades que lhe preencham o dia, incluindo 5 pequenas refeições diárias e 0 idas ao frigorífico.
- Evite ter em casa alimentos muito calóricos, especialmente hidratos de carbono. Lembre-se que alimentos como pão, arroz, batatas, massa e fruta são muito ricos em hidratos de carbono e devem ser consumidos com muita moderação, sobretudo se não fizer atividade física regular.
- Programe as refeições: 5 pequenas refeições diárias, com variedade de alimentos, quantidades adequadas de proteínas, vitaminas e sais minerais e moderação na ingestão de hidratos de carbono e gorduras.
- Reforce a atividade física: Passar mais tempo em casa não deve ser sinónimo de sedentarismo. Se tem uma passadeira ou bicicleta estática, use-a todos os dias, pelo menos 30 minutos por dia. Se não tem, improvise: caminhe ou corra no terraço, na varanda, no quintal. Se não for um doente de muito alto risco, pode e deve sair de casa diariamente para fazer exercício, mantendo o distanciamento social.
- Controle o seu peso. É natural que nestes tempos o seu peso possa subir um pouco, mas não podemos permitir um grande descontrolo. Sem obsessões, avalie o seu peso semanalmente, e se ele estiver a aumentar, reforce a atividade física e os cuidados com a alimentação. Lembre-se: se está a fazer menos atividade física, tem de comer menos!
- Promova a sua saúde mental: evite pensamentos negativos e depressivos, mantenha-se em contacto com os seus familiares e amigos (por meios digitais ou, se possível e seguro, pessoalmente com distanciamento social), dedique-se a um hobby saudável.
Neste tempo de crise, não se conforme, tenha uma atitude proactiva! Este é o momento certo para investir na sua saúde cardiovascular: faça uma avaliação dos seus fatores de risco e vigie com frequência se atingiu os valores recomendados, adote um estilo de vida saudável e tome diariamente a medicação prescrita.
Este não é o momento de desanimar! Redobre o seu empenho em manter e melhorar a sua saúde cardiovascular, não tenha receio de procurar ajuda médica sempre que os seus fatores de risco não estejam bem controlados ou apresente sintomas de novo. Quando chegar a sua vez, não hesite em fazer a vacina contra a Covid-19.
Juntos podemos ganhar a batalha das doenças cardiovasculares, mesmo em tempos de pandemia!
Um artigo da médica Sílvia Monteiro, Cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Coordenadora do Grupo de Estudo de Cuidados Intensivos Cardíacos (GECIC) da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
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