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Entrevista a João Frazão, Médico Nefrologista, professor universitário e Diretor Clínico da Diaverum
SAPO Saúde: O que é a doença renal crónica?
João Frazão: A doença renal crónica, também chamada de insuficiência renal crónica, consiste numa doença caracterizada pela perda progressiva da função renal. Os rins deixam lentamente de desempenhar as suas funções habituais. Nas fases mais avançadas os portadores desta doença necessitam de realizar regularmente um tratamento de substituição da função renal que poderá ser a hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal.
A principal função dos rins é a correção de perturbações na composição e volume dos fluídos corporais, que ocorrem como consequência da ingestão alimentar, metabolismo e fatores ambientais, sendo também, responsáveis pela produção de enzimas e hormonas. A insuficiência renal crónica é uma doença provocada pela deterioração lenta e irreversível da função renal. Como consequência da perda de função, existe retenção no sangue de substâncias que normalmente seriam removidas pelo rim e excretadas na urina. O rim também tem funções hormonais, nomeadamente, produção de eritropoetina, hormona essencial à formação de glóbulos vermelhos, e a ativação da vitamina D, indispensável à saúde do osso.
Por que é que é importante fazer um diagnóstico precoce?
JF: As duas principais causas de insuficiência renal crónica são a hipertensão arterial e a diabetes. A prevenção e o controlo destas duas doenças pode ter um impacto muito marcado na redução do número de doentes com insuficiência renal e na progressão da doença para os estadios mais avançados, com necessidade dos tratamentos de substituição da função renal (hemodiálise, diálise peritoneal e transplantação renal). A insuficiência renal é nas suas fases precoces uma doença assintomática, tal como a hipertensão arterial (e por vezes a diabetes tipo 2). Neste contexto as campanhas de informação aos cidadãos e as campanhas de rastreio da doença são muito importantes porque podem identificar os doentes com doença renal crónica precoce e podem também identificar os doentes em risco. Em qualquer destes casos, a intervenção terapêutica precoce pode evitar o desenvolvimento da lesão renal ou diminuir muito a progressão da doença renal para as suas fases mais avançadas com necessidade de diálise.
É doloroso?
JF: Não. A insuficiência renal crónica não se caracteriza por sintomatologia álgica (dolorosa). A maioria dos doentes com insuficiência renal crónica não apresentam sintomas durante uma grande parte da evolução da sua doença. Só nas fases avançadas de doença é que aparecem sintomas. A insuficiência renal crónica manifesta-se clinicamente de forma inespecífica durante uma grande parte da sua evolução. O denominado síndrome urémico, na sua expressão mais exuberante manifesta-se com fadiga, anorexia, perda de peso, prurido, cãibras musculares, pericardite, edema pulmonar, anemia, alterações do metabolismo mineral, alterações sensitivas e da concentração. Se a insuficiência renal não for detetada e tratada atempadamente pode evoluir para o coma e morte.
Quais são os maiores fatores de risco desta doença?
JF: As pessoas com maior risco de ter doença renal são aquelas que têm diabetes, hipertensão arterial, doença renal na família, idade avançada e doença cardiovascular.
Perante que tipo de sintomas se deve estar alerta?
JF: Muitas vezes a doença é bastante assintomática e as pessoas não se apercebem que têm um problema de saúde. O diagnóstico é possível estabelecer por análises ao sangue e urina. Contudo, as pessoas devem estar atentas aos seguintes sintomas de alerta: hipertensão arterial, edemas nos olhos, mãos e pés (inchaço), nictúria (urinar várias vezes durante a noite), alteração das características da urina (urina espumosa, urina com sangue que se caracteriza pela presença de urina escura ou avermelhada), sintomas “gerais” (fraqueza/cansaço), náuseas e vómitos.
Há tratamento?
JF: Nos estadios iniciais, existem medidas médicas que são muito importantes porque atrasam a progressão da doença para a sua fase mais avançada e controlam os distúrbios metabólicos e endócrinos associados à doença. Os doentes com doença renal crónica na sua fase mais avançada, estadio 5, quando só uma pequena percentagem do rim se encontra a funcionar, necessitam em determinada altura, para poderem viver, de efetuar um dos tratamentos de substituição da função renal, que são hemodiálise, diálise peritoneal ou transplantação renal.
No que toca a investigação científica, o que tem sido feito nos últimos anos?
JF: Existiram grandes avanços na compreensão da insuficiência renal, levando a melhorias terapêuticas enormes, com intervenção eficaz na progressão da doença e controle das alterações endócrinas e metabólicas que lhe estão associadas. Os tratamentos de substituição da função renal também sofreram consideráveis melhorias resultantes de uma continua investigação científica nesta área do conhecimento. Os avanços técnicos da hemodiálise têm melhorado muito a qualidade e segurança do tratamento e consequentemente a qualidade de vida dos doentes. A compreensão médica de algumas complicações da insuficiência renal crónica e disponibilização de fármacos mais seguros e eficazes também têm tido um impacto positivo na morbilidade associada.
Este tipo de doenças está a crescer ou a diminuir no ocidente? E em Portugal, quantas pessoas afeta?
JF: Esta doença tem crescido de forma dramática no mundo ocidental. Os números da prevalência nas suas fases mais precoces , pré-diálise, não são muito bem conhecidos mas estima-se que cerca de 800 mil portugueses possam sofrer desta doença. Nas suas fases mais avançadas, estadio 5, os números são bem conhecidos. Assim, segundo os dados do Registo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, em Portugal existiam em 2011, cerca de 17000 doentes prevalentes em tratamento de substituição da função renal, dos quais cerca de 11000 em diálise e cerca de 7000 transplantados renais. Nesse ano de 2011 iniciaram tratamento de substituição da função renal (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal) cerca de 2400 doentes.
Qual é o tempo médio de espera para um transplante em Portugal?
JF: Provavelmente, 2 a 4 anos mas não conheço o número exato do tempo médio de espera em lista ativa para transplante de rim cadavérico.
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