Imagine-se uma bomba de água para irrigação de um campo, que ininterruptamente está a funcionar durante 80 anos. À saída da bomba existe um válvula, na mangueira principal, que abre e fecha 70 vezes por minuto, durante esses 80 anos. Feitas as contas, cerca de 3 biliões de aberturas e fechos dessa válvula.
Existe no mercado alguma válvula com essa capacidade de resistência de material? Sim, existe, a válvula aórtica, válvula no coração que tem essa capacidade e duração.
No entanto, em algumas pessoas, 10% da população, ao fim de muitos anos, 70 ou 80, a válvula aórtica começa a ficar mais rígida, espessada e calcificada, reduzindo o orifício de saída do sangue no coração e, portanto, sofrendo um processo de obstrução e estenose.
Parece evidente que, reduzida a quantidade de sangue bombeado pelo coração em cada sístole, em cada minuto, que consegue passar e chegar ao resto do corpo, o doente comece a sentir fadiga e cansaço. Se por essa razão menos sangue chegar ao cérebro, o doente poderá ter até uma síncope ou perda de consciência. Também menos sangue nas artérias coronárias, que irrigam o próprio coração, levará a angina de peito, dor no peito, mesmo não existindo apertos nessas artérias. É esta a explicação fisiopatológica da estenose aórtica.
A estenose aórtica pode existir, também, em doentes que nascem com uma válvula defeituosa, mas essas válvulas desgastam-se mais cedo.
O que é a estenose aórtica?
A estenose aórtica degenerativa é uma doença das idades avançadas da vida. É uma doença de avós e bisavós! Mas esses avós e bisavós têm concomitantemente, algumas vezes, outras patologias: diabetes, insuficiência respiratória ou renal e fragilidade, o que pode dificultar a substituição cirúrgica da válvula, que era a única opção de tratamento.
Nesses casos, e para todos os mais idosos, acima dos 80 anos, a forma de substituição minimamente invasiva através de um cateter que transporta uma válvula biológica e que é introduzido numa artéria da virilha é uma opção segura e com resultados iguais à cirúrgica e, portanto, deve ser equacionada numa equipa de Heart Team.
Os avós, em muitos dos casos, não produzem no mercado de trabalho. Contribuíram com o seu trabalho durante anos e mantém-se consumidores ativos, o que é de grande importância para a economia, como sabemos. Mas o mais importante é serem o apoio e a referência para filhos e netos e terem um papel social reconhecido e indiscutível nas sociedades modernas. Durante a pandemia, a sociedade confinou-se para os proteger, porque tinham uma taxa de mortalidade maior ao contrair a infeção Covid.
As sociedades ocidentais souberam proteger os seus idosos, com um comportamento altruísta e solidário, como nunca se tinha visto na história da humanidade. Este comportamento introduziu um “novo algoritmo” nas decisões de política de saúde, que os profissionais de saúde há muito reclamavam: que ninguém deixe de ser tratado em função da sua idade e que a decisão de não dar a um idoso um tratamento dispendioso e inovador deve basear-se em critérios e avaliações sobre a idade biológica e o prognóstico previsível do doente idoso e não na idade cronológica.
Os nossos avós saíram fortalecidos da pandemia. Desejamos que também relativamente à estenose aórtica e aos tratamentos minimamente invasivos olhemos para eles como cidadãos de pleno direito de serem tratados. Desejamos que não fiquem a aguardar em listas de espera de cirurgia ou de intervenção minimamente invasiva por incapacidade do SNS.
Um artigo do médico Lino Patrício, cardiologista de intervenção no Centro de Responsabilidade Cérebro-cardiovascular do Hospital do Espírito Santo, em Évora.
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