O novo cardioversor desfibrilhador implantável com terapia de
ressincronização cardíaca, um sistema de tratamento da insuficiência
cardíaca, permite reduzir a mortalidade em cerca de 30% e os
internamentos hospitalares por insuficiência cardíaca descompensada em
50%.

Em entrevista à Prevenir, Mário Oliveira, cardiologista do Hospital de Santa Marta, o primeiro hospital a implantar este novo dispositivo, explica as vantagens desta cirurgia inovadora.

Esta representa um grande avanço no que se refere à terapia de ressincronização cardíaca, um método que permite o tratamento da insuficiência cardíaca. Saiba como funciona e descubra os fatores que condicionam a sua utilização.  

O  novo cardioversor desfibrilhador implantável com terapia de ressincronização cardíaca está a ser apresentado como um novo avanço na terapia de ressincronização cardíaca em particular e no tratamento da insuficiência cardíaca em geral. O que é que vem permitir que os meios de tratamentos até agora disponíveis não permitiam? O novo dispositivo inclui um microsensor hemodinâmico. Para que serve e o que possibilita?

A implementação da terapêutica de ressincronização cardíaca (TRC) teve inicio na Europa, no final da década de 90, sendo aprovada pela FDA nos EUA em 2001. Em Portugal, já utilizamos a TRC em doentes seleccionados há mais de 10 anos, com excelentes resultados. O sistema de TRC agora disponibilizado traz como novidade tecnológica um sensor hemodinâmico, colocado num eléctrodo auricular, que permite monitorizar a intensidade do 1º som cardíaco, como se estivéssemos sempre a auscultar o doente.

Isso permite-nos testar a sua variação de forma automática, com periodicidade semanal, de acordo com diferentes programações de intervalos eléctricos entre as aurículas e ventrículos e entre os dois ventrículos. A configuração com melhor desempenho é seleccionada pelo aparelho para programação automática. Esta optimização da programação do dispositivo cardíaco obrigava, até aqui, ao recurso da ecocardiografia, sendo necessária a presença dum cardiologista perito nesta área e dum cardiopneumologista habilitado a mudar a complexa programação deste equipamento.

Como é que este novo dispositivo funciona?

O microsensor faz uma avaliação semanal em repouso e outra em movimento, desde que a frequência cardíaca ultrapasse os 90 batimentos por minuto, de modo a testar a intensidade do 1º som cardíaco, que se sabe hoje ter uma boa correlação com uma medida de função sistólica ventricular conhecida com dP/dT.

Assim, de forma automática, vai variando os intervalos da condução auriculo-ventricular (que influencia o enchimento ventricular) e entre os dois ventrículos, seleccionando a melhor combinação, que é programada automaticamente. Após cada avaliação só são efectuadas mudanças da programação se a variação do parâmetro medido for inferior a 10% quando comparado com o anterior. É espantoso como a tecnologia permite este tipo de análise tão detalhada de modo automático.

Existem incompatibilidades com outros dispositivos ou situações em
que é desaconselhado ou pode ser implementado em qualquer pessoa que
sofra de insuficiência cardíaca?

Há limitações com a sua
utilização, nomeadamente em doentes com fibrilhação auricular (presente
em 20-30% dos doentes nesta fase de insuficiência cardíaca crónica) ou
com extrassistoles muito frequentes, em que não se recomenda o recurso a
este tipo de sensor.

Depois, é preciso não esquecer que somente um grupo especifico de
doentes com insuficiência cardíaca poderá beneficiar deste.

Por isso, posteriormente, é necessária a avaliação clinica em centros
especializados (envolvendo especialistas de insuficiência cardíaca,
arritmologia e ecocardiografia) para identificar o subgrupo que pode ser
candidato a TRC.

Quanto tempo demora a ser implementado e como se processa a cirurgia
necessária à sua implementação? Tem ideia do número de implementações
deste dispositivo que já foram feitas em Portugal?

O procedimento de
implantação não se modifica pela utilização deste sistema com o
microsensor. A técnica é complexa mas realiza-se em vários centros do
país por cardiologistas especializados nesta área.

O gerador é colocado
em posição peitoral subcutânea, abaixo da clavícula esquerda, enquanto
os três eléctrodos intracardíacos são implantados por via transvenosa.

Por
vezes, pode ser necessário implantar o eléctrodo para estimulação
ventricular esquerda através duma pequena incisão torácica. O número de
sistemas de TRC implantados em Portugal tem vindo a aumentar.
Implantaram-se cerca de 400 em 2009. No entanto, representa ainda metade
do número médio de implantações na Europa.

Como é o pós-operatório da cirurgia de implementação do cardioversor desfibrilhador e quanto tempo demora a recuperação?

No
pós-operatório é necessário um período de repouso de cerca de 24 horas,
com vigilância do local de inserção do gerador. Existe um risco baixo
de hematoma local ou de infecção.

Nas primeiras 48 horas, efectua-se uma
radiografia do tórax,  um electrocardiograma e procede-se à avaliação
dos diferentes parâmetros de funcionamento do aparelho, seguindo-se a
alta hospitalar.

Nalguns centros, o doente é submetido a um
ecocardiograma pré-alta, noutros esse exame será realizado já em regime
de ambulatório antes da primeira consulta de seguimento.

Uma pessoa
que faça a implementação deste dispositivo tem de ter cuidados especiais
no seu dia a dia, tem limitações ou pode fazer uma vida normal?

Tem
recomendações iniciais relativamente ao esforço e movimentos envolvendo o
membro superior esquerdo. Depois, assim o doente melhor, recomenda-se
que faça uma vida normal, tendo cuidados com a presença de campos
magnéticos (por exemplo, a ressonância magnética tão comum na
actualidade) ou com interferências por campos eléctricos de grande
potencia. Habitualmente recomendamos que o telemóvel seja usado no
ouvido contralateral para evitar o efeito de antena. Dado que passa a
ter material estranho dentro do coração devem ser tomados cuidados no
âmbito da profilaxia da endocardite bacteriana, nomeadamente nas visitas
ao dentista.

Quanto pode custar, em média, a implementação de um cardioversor desfibrilhador?

É
um procedimento complexo, quer do ponto de vista tecnológico, quer dos
recursos especializados que obriga. A sua utilização destina-se a
doentes seleccionados com insuficiência cardíaca crónica e grave
disfunção ventricular, cujo prognóstico, na ausência deste equipamento
capaz de ressincronização cardíaca e cardioversão-desfibrilhação, seria
francamente adverso, com mortalidade de 5-10% ao ano e uma taxa de
hospitalização elevada, com cerca de 25% de reinternamentos nos
primeiros seis meses pós alta.

Este sistema de tratamento da
insuficiência cardíaca permite reduzir a mortalidade em cerca de 30% e
os internamentos hospitalares por insuficiência cardíaca descompensada
em 50%. O seu custo varia nos vários países da Europa. Em Portugal os
custos de equipamento podem ir até 25.000 euros.

Dado que este é
um método recente, que tempo pode ocorrer, em média, entre a decisão do
médico em avançar para a implementação e a implementação em si? Já
existem listas de espera para este tipo de cirurgia?

Desde que o
médico assistente envie o doente para um centro especializado, que pode
ter alguma demora entre nós, nomeadamente pelo tempo de acesso à
consulta hospitalar,
procede-se à avaliação em cardiologia. De seguida faz-se o
encaminhamento à consulta de arritmologia ou insuficiência cardíaca que
poderá estudar o doente.

Essa avaliação é feita com vista a avaliar os potenciais benefícios
desta técnica terapêutica e a programar a intervenção.

Muitas pessoas
desconhecem que sofrem de insuficiência cardíaca. Quais os sinais ou
sintomas a que devem estar atentas e quais as formas de prevenção que
recomenda?

O aparecimento de cansaço anormal, sobretudo se
acompanhado de falta de ar e de edemas nos membros, deve ser um alerta
importante, sobretudo se associado a historial de hipertensão arterial
mal controlada, enfarte do miocárdio prévio ou historial familiar de
insuficiência cardíaca, por vezes observada em algumas formas de
miocardiopatia. Estes doentes precisam de acompanhamento regular pelo
seu medico de família, que se identificar sinais de agravamento ou
ausência de resposta à terapêutica  convencional deverá enviar o doente a
uma consulta de especialidade.