Nesta altura do ano são muitos aqueles que regressam das férias em que procuraram descansar depois de um ano mais intenso de actividades. Enquanto alguns vêm com a sensação de “bateria recarregada”, outros há que acusam sentir um maior cansaço do que quando foram para férias.
Alguns destes irão procurar algum tipo de ajuda especializada, seja junto do seu médico de família ou psicólogo. A sensação de cansaço persistente acompanhada de uma fadiga mental e exaustão emocional leva a que muitas vezes se sinta uma crescente indisponibilidade para as coisas do quotidiano, seja a nível profissional, pessoal ou social.
Em algumas situações neste pedido de ajuda há pessoas que referem parecer existir alguma indisponibilidade e até mesmo exaustão nestes profissionais. Muitos ficam incrédulos porque pensavam que os psicólogos seriam imunes a este tipo de situações. Que seriam capazes, mais do que ninguém, em saber identificar qualquer situação anómala e que melhor do que ninguém saberiam provocar uma alteração na situação com o objetivo de melhorarem. Ou que os terapeutas da fala, ocupacionais, etc., estão habituados no seu dia a dia a verem situações semelhantes e sabem o que fazer em todas elas.
É comum haver esta ideia de impermeabilidade nos profissionais que “combatem” determinada situação no desempenho da sua profissão. Por exemplo, os médicos não adoecerem ou conseguirem estar quase sempre saudáveis, policias não cometerem nenhum crime ou os bombeiros nunca terem nenhum fogo em sua casa, os professores de Educação Física nunca se cansam, etc.
E no caso dos psicólogos serem impermeáveis às questões da saúde mental. Não sofrerem de stresse ou ansiedade, depressão ou outro sofrimento psicológico. E igualmente para os outros terapeutas.
Ninguém está imune ou é impermeável a tal. As pessoas podem ter um maior conhecimento em determinadas áreas, mas precisam de ter um conjunto de cuidados em relação à sua própria “higiene mental” para conseguirem estar em melhores condições no desempenho da sua profissão, e no enfrentar das inúmeras situações causadoras de desgaste.
Burnout, a fadiga mental
Esta sensação de fadiga mental ou exaustão emocional é aquilo que alguns autores, nomeadamente Maslach definiu como Burnout. Ou seja, este é definido como o fim de uma situação crónica de stresse verificada a longo prazo e é uma condição representada por três dimensões: fadiga mental ou exaustão emocional, sentimentos e percepções negativas sobre as pessoas com que trabalhamos e despersonalização ou diminuição da sensação de realização pessoal.
O esgotamento é considerado por muitos como uma dificuldade ao nível da saúde mental relacionada com o trabalho e é frequentemente correlacionado com ansiedade e depressão. Não somente o esgotamento pode ser pessoalmente angustiante, mas também pode se manifestar em muitas condições de saúde física e mental.
Por exemplo, fadiga, exaustão e somatização, e também está ligado ao evitamento social, incapacidade de regular a expressão de emoções, absentismo, moral reduzida e sensação reduzida de eficiência e desempenho.
Como referi anteriormente os psicólogos e profissionais de saúde mental e outros técnicos que trabalham com população acometida por uma condição de saúde mental também são sujeitos a uma série de problemas de saúde relacionados ao trabalho, incluindo fadiga da compaixão, traumatização secundária, etc. O Burnout, em si, tem sido associado com depressão, tanto no campo da psicologia e dentro de outras profissões. Também tem sido demonstrado mediar a relação entre o stresse e depressão em médicos que relatam sentimentos mais baixos de segurança e aumento da exaustão emocional.
No caso dos terapeutas que trabalham com crianças, jovens e adultos autistas, não obstante a sua preparação técnica e profissional de forma continuada para implementar o seu trabalho, estão sujeitos a um conjunto de situações potencialmente causadoras de burnout.
Perturbação do Espectro do Autismo
A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por deficit na comunicação e interação social e pela presença de comportamentos repetitivos e estereotipas e interesses restritos. A prevalência desta condição atualmente estima-se em 1 em cada 59 crianças.
A oferta de serviços especializados nesta área é diminuta face às necessidades, o que faz com que muitas crianças, jovens e adultos autistas e suas respetivas famílias recorram frequentemente aos mesmo centros especializados de referência, sejam públicos ou privados. O que leva frequentemente a que um terapeuta acompanhe um número significativo de casos, entre outras situações.
Por exemplo, em crianças e jovens autistas é frequente haver a necessidade de intervenção intensiva. Ou seja, a pessoa é acompanhada em terapia da fala, ocupacional ou psicologia em duas, três ou mais sessões ao longo da semana perfazendo um número de horas significativo de acompanhamento. Mas também a necessidade dos próprios terapeutas terem de intervir junto de outros envolvidos no processo. Sejam professores ou educadores, pais, e profissionais de outras áreas leva a um necessário desdobramento deste terapeuta na comunicação eficaz junto de todos.
Dependendo da gravidade do quadro de autismo (nível 1, 2 ou 3) e de um conjunto de outras variáveis do próprio autista, núcleo familiar, contexto, respostas sociais, etc., podemos verificar um conjunto de situações mais frágeis e que levam à ocorrência de um maior número de episódios. Seja de conflitos ocorridos em contexto escolar porque se verificou uma desregulação emocional numa criança autista quando um colega seu não teve uma abordagem adequada junto de si. Ou porque no período final o jovem autista recebeu um conjunto de testes nada satisfatórios e decidiu fugir de casa.
Até ao caso de um adulto autista que deixou de comparecer no trabalho quando houve algumas alterações nos processos de trabalho. Estas e outras situações levam necessariamente a que a resposta do terapeuta seja solicitada com determinada frequência. Para além da própria gravidade de situações que são verificadas no acompanhamento de alguns destes casos.
Os terapeutas que intervêm com autistas necessitam também eles próprios de se cuidarem
As situações e os exemplos poderiam continuar, mas o objetivo é poder chamar a atenção de que os terapeutas que intervêm com autistas necessitam também eles próprios de se cuidarem. No início do texto deixei referência ao espanto de se perceber que os profissionais que são formados para compreender os processos mentais e o comportamento humano e que são treinados nas mais variadas técnicas psicoterapêuticas, com vista a promover o crescimento dos seus clientes, constituem, eles próprios, potenciais alvos dos problemas que de forma semelhante afectam os seus clientes. Seja porque resistem em admitir que se encontram em dificuldades e que necessitam de ajuda. Ou porque devido à formação contínua ao longo do tempo deixaram pouco tempo para a reflexão das implicações práticas, na vida de cada um, quando se tornam psicólogos. Mas também porque as diversas abordagens e técnicas, muitas vezes complexas e com perspetivas distintas, exige anos de constante atualização, provocando um sentimento de insegurança.
A melhor estratégia de prevenção do burnout em psicólogos consiste precisamente em alertá-los precocemente para os sinais, sintomas e consequências associados ao seu desenvolvimento, quer no plano individual mas também organizacional. Seja procurar não ter pressa em atingir determinados objetivos, estabelecer prioridades, ser flexível, encarar os problemas como oportunidades, marcar frequentes períodos de férias, mesmo que curtos, gerir o tempo adequadamente, deixando espaços para atividades administrativas, preparar sessões e tempo para refeições, limitar o número de horas diárias e semanais de prática psicoterapêutica, fazer exercício físico, desenvolver atividades recreativas, reforçar o suporte social intra e extra-laboral, estimular competências clínicas, procurar supervisão e workshops profissionais.
Mas também procurarem apoio terapêutico pessoal quando necessário. Não esquecendo a nível organizacional a promoção do trabalho em equipas multidisciplinares, em grupos de supervisão e de espaços de partilha de casos, pois, proporcionam um contacto directo com os colegas de profissão, com quem se pode partilhar reflexões acerca dos problemas comuns da prática terapêutica.
Texto: Pedro Rodrigues, Psicólogo clínico - Núcleo de Perturbações do Espectro do Autismo (PIN Progresso Infantil)
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