As infeções constituíram durante séculos causa prevalente de mortalidade, só reduzida com a descoberta da penicilina (1928). Generalizou-se então o uso de antibióticos que permitiram tratar múltiplas infecções bacterianas, reduzindo assim a morbimortalidade associada à infeção.
Se consultarmos o último inquérito europeu da prevalência da infecção no Hospital, Portugal apresenta uma média de 10,6%, superior à média europeia de 6,1%. Da mesma forma, em Portugal cerca de metade (45,3%) dos doentes internados fizeram terapêutica antibiótica, bem acima dos 35,8% da média europeia.
Sabemos que os antibióticos são fundamentais para o controlo das infecções, contudo o seu uso desregrado leva à emergência de resistências que põem em risco o doente e a população em geral.
O aumento de estirpes multirresistentes constituirá a curto prazo uma séria ameaça para a saúde pública. A OMS estima, que se não forem tomadas medidas urgentes para a sua prevenção, em 2050 morrerão na Europa anualmente por infecções a gérmens multirresistentes 390 000 doentes e, cerca de 10 milhões em todo o mundo.
Urge pois fazer face a este perigo recorrendo a uma série de medidas que visam reduzir a sua incidência a nível hospitalar:
- Promover a prática de desinfecção e lavagem das mãos. Há um esforço contínuo da DGS através do Programa de Prevenção e Controlo da Infecção e da Resistência Antimicrobiana para fazer desta prática uma realidade, registando-se uma melhoria significativa ao longo do tempo. Obrigatoriedade de medidas barreira para doentes infectados ou colonizados por gérmens multirresistentes.
- Realizar aos doentes de elevado risco, internados nos hospitais um screning frequente (zaragatoa nasal, amígdalas, língua e feridas ou local inserção cateteres, zaragatoas rectais), dirigido à detecção de organismos multi-resistentes, prática que aliada à detecção precoce de portadores permite prevenir complicações e transmissão a outros doentes. Isolar doentes infectados por gérmens multirresistentes que deverão ter um ratio enfermeiro: doente ajustado, mais estrito do que o habitual.
- Ter uma política institucional de detecção de infecções com recurso a técnicas microbiológicas de diagnóstico e confirmação de infecção (métodos moleculares) aliado ao uso judicioso de antibióticos. Tal política levará à redução da prescrição antibiótica. Quando existe uma infecção bacteriana e é necessário a seleção de um antibiótico que deve ter em conta as características do doente, os factores de risco de infecção por gérmens específicos e a gravidade da doença. Deve para além disso, ser precoce e seguir as boas práticas de prescrição. Esta política global implica o envolvimento da DGS com campanhas de sensibilização e de vigilância epidemiológica.
- A implementação de um programa desta dimensão tem limitações de recursos humanos, financeiras e até estruturais hospitalares, contudo os benefícios colhidos no médio e longo prazo são indiscutíveis. Seria importante que as entidades competentes de saúde pudessem legislar nesse sentido, determinando benefícios para hospitais cumpridores e penalizações para hospitais prevaricadores. Este é um problema de saúde publica que diz respeito todos nós.
Nesta era em que enfrentamos um aumento de gérmens resistentes quer no hospital quer na comunidade, recorremos a terapêuticas não antibióticas acessórias que nos ajudam a reduzir a pressão antibiótica, exemplo disso são as campanhas de vacinação ou o recurso a terapêuticas de modulação imunológica.
Só um esforço conjunto e contínuo nos ajudará a deter este flagelo que se tem agravado nas últimas décadas.
Um artigo de Paulo Martins, Médico Intensivista, Diretor da Unidade de Urgência e Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Professor na Faculdade de Medicina de Coimbra.
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