Há hoje uma enorme proliferação de artigos, opiniões, fóruns e outras iniciativas de informação junto da população para a adopção de medidas saudáveis de estilo de vida. Estou eu contra tais iniciativas? Claro que não.

Duvido da sua efetiva eficácia? Já não sou tão imperativo na negação. Apesar desta hesitação, são elas necessárias? Indiscutivelmente que sim. Vamos então explicar melhor toda esta problemática.

Mais cedo ou mais tarde seremos doentes! É duro, mas é algo a que não vamos fugir

Nos dias de hoje, na sociedade em que vivemos e, com o aumento de esperança média de vida, a nossa certeza passa mais pela doença do que pela saúde. Mais cedo ou mais tarde seremos doentes! É duro, mas é algo a que não vamos fugir.

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Perante este cenário, cumpre ter uma atitude positiva e consciente. Então se estamos predestinados a sermos doentes, o que fazer para tornar tal estado o menos grave e prejudicial possível?

A doença não se trata unicamente (mas também se trata) com alterações do estilo de vida. Vamos necessitar de medicação. E, vamos necessitar, principalmente, para doenças crónicas não transmissíveis (DCNT), de que as doenças cardiocerebrovasculares são o paradigma.

A forma mais assertiva que temos de tornar eficaz a medicação é cumpri-la, ou seja, aderir ao tratamento.

Adesão ao tratamento como problema

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A atual direção da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) tomou como lema do seu mandato a adesão ao tratamento. Estamos convencidos, estou convencido, que este tema será a preocupação da comunidade médica nos próximos dez anos.

Historicamente já Hipocrates descrevia que a falta de adesão às prescrições e recomendações médicas era uma preocupação daquela altura. O tempo passou, o tema foi ficando “em banho-de-maria” e, apenas já no século XX Haynes volta à liça com este tema. Nesse tempo designou-o como compliance.

Este conceito é conceptualmente diferente de adesão ao tratamento, já que aquele perspectiva uma atitude passiva e sem autonomia por parte do doente, sendo este apenas um cumpridor de recomendações.

Já o termo adesão ligado e associado ao novo paradigma dos cuidados de saúde, catapulta-nos para uma visão holística e ativa por parte do doente.

Manuel Carvalho Rodrigues, especialista em Cardiologia e presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.
Manuel Carvalho Rodrigues, especialista em Cardiologia e presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão créditos: DR

Passou-se assim de uma visão paternalista e tradicional para uma visão abrangente, dinâmica e interactiva entre profissionais de saúde e doente, estando este no centro de todo o sistema e de toda a actuação.

O conceito de adesão varia segundo os autores, embora haja um consenso alargado sobre a sua definição. Esta é aceite como se tratando do cumprimento de, pelo menos, 80% de todas as recomendações médicas farmacológicas.

Este conceito é visto pela OMS como “o envolvimento colaborativo, voluntário e activo do doente numa conduta mutuamente aceite para obter resultados terapêuticos”.

Sabemos hoje que cerca de 55% dos doentes com DCNT apresentam uma não adesão ao tratamento que lhes é prescrito. Temos hoje ao nosso dispor, várias ferramentas para aferir a adesão ao tratamento.

Entre estas, destacam-se questionários, entrevistas, contagens de comprimidos, monotorização electrónica, toma assistida, determinação dos valores plasmáticos circulantes no sangue, entre outros. São, pois, estas problemáticas, bem como que medidas a tomar para melhorar o nosso panorama neste tema, que irão ser estudados e debatidos no Simpósio do dia 30.

São estas preocupações para as quais queremos alertar e consciencializar a comunidade médica, bem como para a necessidade de envolver activamente o doente na decisão. Para isso teremos connosco um doente para nos dizer como encara este problema, o que espera de nós e, em que é que ele nos pode ajudar a ajudá-lo. É esta interação bidirecional que queremos promover.

Estamos conscientes que aliada à não adesão temos também que combater a chamada inércia médica, ou seja, a aceitação por parte do médico de uma atitude de resignação e de rejeição de proactividade dirigida para reajustes medicamentosos com a finalidade de atingir os alvos terapêuticos e, de motivar o doente para que só com a sua voluntária e consciente adesão ao tratamento é possível atingir os referidos alvos.

Sabemos que é um caminho que só agora começou, mas sabemos que é um caminho que não tem retorno e que deve ser assumido. Contamos com todos os interessados e, agradecemos a presença e colaboração de quem, pela sua vasta experiência nesta área, nos pode ajudar.

Um artigo de opinião do médico Manuel Carvalho Rodrigues, especialista em Cardiologia e Presidente da Sociedade Portuguesa de hipertensão.