“Não tenho palavras. Não sei, não sei. O impacto [é] de 100% para quase 0%”, disse à Lusa Santos Pinto, dono de um restaurante que habita há trinta anos a rua que mais turistas atrai na ilha da Taipa, “O Santos”.

É dos poucos restaurantes abertos. Meia dúzia deles, ligados à restauração, já fechou portas. Na casa, habitualmente cheia, há um casal sentado a uma mesa. Hoje, a contabilidade está feita: há mais empregados do que refeições servidas.

“Este fim de semana ainda vou estar aberto. Na segunda-feira talvez vá fechar porque (…) não vem aqui ninguém. O que estou aqui a fazer?”, pergunta, perto de uma fotografia em que o próprio surge acompanhado do vocalista dos Rolling Stones, um dos muitos famosos que já visitaram o restaurante.

“Noutros tempos, no tempo da SARS [Síndrome Respiratória Aguda Grave, que matou 774 pessoas em todo o mundo], a situação nunca foi tão grave, ou pelo menos tão explosiva”, lembrou o benfiquista que fez da sua casa quase um santuário para os adeptos das ‘águias’.

“Tinha um grupo que chamava os solteiros, divorciados e os mal casados. Vinham aqui sempre, 15, 20 pessoas. Neste momento não sei onde é que eles andam”, lamenta.

À semelhança de Santos Pinto, Manuela Salema ainda estava a recuperar do impacto que os protestos na cidade vizinha de Hong Kong tiveram no seu negócio de importação/exportação de produtos portugueses, quando a epidemia apareceu para infetar toda a contabilidade.

“Quando nós finalmente começámos a ver alguma luz ao fundo do túnel, esperançados novamente … isto foi a gota de água. Não há ninguém, não temos clientes nenhuns”, sublinha a dona do “Cool-Thingz & PortugueseSpot”, numa das ruas da velha Taipa que há pouco mais de duas semanas fervilhava de movimento.

É preciso recordar-se do que aconteceu antes de 1999, “com as tríades e mortes nas ruas” de Macau para tentar explicar por que razão evitaria dizer que este é um momento trágico.

Mas a antiga funcionária pública que se aventurou na criação do próprio negócio, familiar, a pensar também nas duas filhas, depressa admite “o momento muito complicado na vida normal das pessoas, na vida dos empresários, das lojas”.

Há conservas de atum e de sardinha, cerâmica, vinhos, compotas e têxteis impregnados de algum tipo de ‘ADN português’ na loja, mas desapareceram os clientes.

“Tudo está vazio, enfim, é um impacto extraordinário, e eu não sei onde vamos parar”, confessa, outrora habituada aos clientes chineses, de Singapura, Taiwan, Japão e da Coreia do Sul, que desembarcavam na loja a partir de Hong Kong, agora apenas perturbada, quanto muito, pelo ruído de uma obra que decorre duas casas abaixo.

A loja, esclarece, “está semiaberta para aqueles que precisarem alguma coisa”, para um café, uma sandes e até uma máscara, se a farmácia estiver fechada. Já aconteceu antes: “Temos um sentido de cidadania”, justifica.

Uns metros mais à frente, o restaurante “A Petisqueira” não mais abriu as portas após um período de férias que coincide normalmente com o do Ano Novo Lunar.

Eusébio Tomé deveria abrir hoje meter a chave na porta e voltar a servir refeições. A falta de clientes e algumas empregadas Filipinas que estão no seu país impedidas de viajar para a China, numa proibição preventiva das autoridades que também inclui Macau, estragou-lhe os planos.

“Agora não sei quando vou abrir. É esperar mais uma ou duas semanas, ver o que acontece e esperar que as minhas empregadas consigam regressar a Macau para trabalhar”, resume, conformado o português.

Noutra rua, outro negócio da restauração luso fechado. A cervejaria portuguesa Portugália. Quase em frente, “A Toca” ainda tem uma tarja com a qual se tentava seduzir os turistas e locais, com o pretexto de um festival dedicado ao polvo e ao bacalhau, mas as luzes estão apagadas e a porta não abre.

Na terça-feira, dia em que o chefe do Governo anunciou o fecho dos casinos, a população adivinhou que as medidas do Governo começavam a ganhar, de facto, o estatudo de excecionais.

Poucas horas foram necessárias para o cenário de paralisação económica fosse óbvio.

Uma das primeiras medidas do Governo de Macau para reduzir o risco de contágio foi a de enviar milhares de funcionários públicos para casa, onde continuam a trabalhar, mas à distância.

Macau, onde existem atualmente nove pessoas infetadas com o coronavírus, anunciou também o encerramento de espaços culturais e desportivos, parques, jardins e espaços de lazer, bem como de todo o tipo de negócios, o que praticamente está a paralisar a economia.

Na rua, carrinhas equipadas com altifalantes passam durante todo o dia uma gravação que serve para incentivar as pessoas a permanecerem em casa face ao momento crítico do surto que já matou 636 pessoas na China e infetou mais de 31 mil.