O que a levou a trocar Portugal pelo Reino Unido? Foram as palavras do secretário de Estado da Juventude de Passos Coelho?

Não (Risos). Troquei, porque quis melhores condições de trabalho. Na verdade, naquela altura, em plena crise, também não havia muitas opções em Portugal. Esta situação aliada ao desejo de embarcar numa aventura nova, numa das cidades mais vibrantes do mundo, levou-me a tomar esta decisão.

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Houve momentos difíceis?

Honestamente todo o processo até à chegada a Londres foi entusiasmante. Qualquer coisa que se cruzasse no meu caminho, naquele momento, seria melhor do que a realidade em Portugal. É óbvio que, a certa altura, no momento em que me caiu a ficha, percebi que tinha deixado a família para trás em busca do desconhecido. Esse momento pode ser um pouco perturbador, mas tive a sorte de ter sempre o meu namorado ao meu lado ao longo do caminho. Também o facto de Londres estar a duas horas do Porto com voos low cost, a toda a hora, permitiu-me vir a casa praticamente todos os meses durante o primeiro ano.

O que destaca de positivo no trabalho no Reino Unido?

Poderia enumerar uma lista quase infindável de aspetos positivos. A progressão na carreira e as oportunidades de trabalho nas mais diferentes áreas no Reino Unido são fascinantes. Existe falta de enfermeiros mas, ao contrário de Portugal, também existe financiamento, o que nos permite praticamente escolher para a área onde queremos trabalhar. Nestes quase 5 anos, já trabalhei em cuidados agudos, no bloco operatório e estou agora a liderar a equipa da consulta de anestesia. Isto porque o meu objetivo é absorver o máximo de conhecimento nas mais diferentes áreas para um dia levar comigo para Portugal. É óbvio que também não posso deixar de mencionar o facto de trabalhar ao lado de pessoas dos quatro cantos do mundo e do quanto isso me completa enquanto pessoa e profissional.

A propósito do Brexit, no dia seguinte à votação, recebemos um comunicado do nosso CEO a enfatizar o quão importantes e valiosos somos para o Serviço Nacional de Saúde inglês. No fundo, queriam dizer-nos que não existe nenhuma razão para estarmos preocupados… Mas é claro que existe muita incerteza no ar.

Dão mais valor à formação contínua no Reino Unido?

Sim, sem sombra de dúvida. Existem formações anuais obrigatórias relacionadas com temas essenciais à prática profissional, como também o incentivo à possibilidade de conseguir os mais variados cursos e a entrada em programas de mestrado financiados pelas organizações públicas onde trabalhamos. A razão para haver esta formação é por haver a preocupação com a qualidade dos serviços prestados.

É uma mentalidade diferente?

Sim. Os hospitais sentem que ao investirem nos seus profissionais estão a valorizar a sua própria instituição, refletindo-se nos relatórios de qualidade e no posicionamento das instituições do ranking nacional.

Como é a relação médico-enfermeiro no Reino Unido?

Só posso falar da minha realidade e dos sítios onde já trabalhei tive sempre uma relação de companheirismo, proximidade e interajuda. É claro que existe uma hierarquia, mas é de longe bem menos acentuada do que em Portugal e isso passa pelo respeito que a classe dos enfermeiros tem aqui. Um exemplo disso é o facto de ser hábito entre nós, enfermeiros e médicos, sairmos para beber um copo num pub depois do trabalho.

E a relação doente-enfermeiro é semelhante à que existe em Portugal?

No Reino Unido, o doente e a família estão acostumados a questionar todas as decisões e formas de tratamento proporcionadas. Em Portugal as pessoas são mais retraídas e têm tendência a aceitar de forma passiva o que lhes propõem. Mas os doentes são cada vez mais capazes de tomar decisões informadas. Aqui o doente exige que lhe seja prestado um certo padrão de qualidade nos cuidados médicos. Quando isso não acontece, podemos ser alvo de uma queixa formal que em casos extremos pode fazer-nos perder a carteira profissional.

Já sentiu discriminação no trabalho?

Nunca senti estar a ser discriminada nos sítios onde trabalhei. Antes pelo contrário. Quando se ouve dizer que somos portugueses, estendem-nos uma espécie de passadeira vermelha (risos), porque sabem que temos uma formação académica de excelência. A propósito do Brexit, no dia seguinte à votação, recebemos um comunicado do nosso CEO a enfatizar o quão importantes e valiosos somos para o Serviço Nacional de Saúde inglês. No fundo, queriam dizer-nos que não existe nenhuma razão para estarmos preocupados… Mas é claro que existe muita incerteza no ar.

O seu trabalho é mais reconhecido no Reino Unido do que seria em Portugal?

O meu trabalho é, sem dúvida, mais reconhecido no Reino Unido do que seria em Portugal. E isso deixa-me bastante triste. A cultura é completamente diferente, as pessoas cresceram numa sociedade em que o papel do enfermeiro é valorizado e respeitado desde o primeiro dia tanto pelo doente como por toda a equipa. Por trás disso, existe obviamente uma fortíssima Ordem dos Enfermeiros (Nursing & Midwifery Council) assim como sindicatos.

O seu salário permite-lhe ter uma vida melhor em Londres do que teria se trabalhasse em Portugal?

Permite-me ter uma vida diferente da que teria em Portugal. Londres é uma porta aberta para o mundo e existe imensa facilidade e menor custo em deslocarmo-nos. Mas, claro, aqui tenho um salário que me permite viver um pouco melhor do que se estivesse em Portugal. Além disso, os enfermeiros têm aumentos salariais anuais até atingirem o máximo da sua "banda". No entanto, se não tivermos algum controlo, é muito mais fácil gastar dinheiro em Londres do que em Portugal. É uma sociedade marcadamente consumista.

Pensa regressar a Portugal?

Eventualmente sim, quando sentirmos que chegou a altura de acrescentar um elemento à família.

Porque é que quer ter um bebé em Portugal e não no Reino Unido?

Já pensei várias vezes nesse assunto e tive alturas em que me senti dividida. Por um lado adorava proporcionar ao meu filho a sensação de crescer numa cidade como esta, mas por outro lado acredito piamente que as crianças precisam dos avós, dos primos, dos tios, etc., para crescer saudáveis e felizes. Precisam de liberdade, do céu azul e do nosso mar. E essa vai ser, com certeza, a minha primeira prioridade.

O que a motiva então a continuar no Reino Unido?

Neste momento o que me prende é a minha carreira e o percurso que construí até agora, mas também o buzz incrível que se vive aqui todos os dias, onde tudo está sempre a acontecer. É um privilégio poder vivenciar este estilo de vida numa das cidades mais pluriculturais do mundo. Aqui aprendi imensas coisas, mas principalmente a viver em diversidade e a aproveitar o que vida nos dá a cada momento.

Então não está aborrecida com o país que a mandou emigrar?

De maneira nenhuma. Portugal também me proporcionou estar onde estou. E neste momento é aqui que me sinto bem e é aqui que quero viver.

Ana Rita Santos trabalha atualmente numa das unidades hospitalares do grupo University College London Hospitals. É natural de Águeda e licenciou-se em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.