Quando a temática toca em questões sexuais, o que é ser “normal”? Esta é a preocupação da maioria das pessoas que procuram respostas junto de Leonor de Oliveira, autora do livro É Normal? (edição Arena). Para todas elas, a psicóloga clínica e terapeuta sexual guarda uma resposta, “sim, é normal e dificilmente será outra coisa”. Com base em centenas de respostas reais enviadas à autora, Leonor de Oliveira apresenta-nos uma obra que, dividida por temas, envereda na questão de género, na orientação sexual, na resposta sexual, na saúde sexual e bem-estar e nas relações afetivas e sexuais.

Sobre a obra, diz-nos a autora na introdução: “É um livro ambicioso, bem sei. Quis fazer uma espécie de manual de sexologia e de prazer com base em perguntas reais da comunidade. Não inventei nenhuma, apesar de algumas terem sido ligeiramente alteradas caso tivesse gralhas ou formulações pouco claras”.

Leonor de Oliveira está neste momento a terminar o seu doutoramento sobre aborrecimento sexual. Interessa-se por sexualidade desde que os pais lhe ofereceram a Enciclopédia da Vida Sexual. Em 2014, criou o Pronto a Despir, um projeto de social media onde promove o prazer e os direitos sexuais.

De É Normal? Publicamos de seguida quatro entre as inúmeras perguntas que o leitor encontra na obra.

“A história sexual feminina é triste e profundamente desigual” – Tamar, autora do livro “O Mel da Deusa”
“A história sexual feminina é triste e profundamente desigual” – Tamar, autora do livro “O Mel da Deusa”
Ver artigo

Porque é que na maior parte das relações longas se deixa de fazer sexo com regularidade?

Esta é a derradeira questão que me levou a investigar a sexualidade humana. A diminuição de desejo e/ou a discrepância de desejo sexual em relações a longo prazo é uma fonte de sofrimento e de conflito nas relações românticas e sexuais. Na minha perspetiva, nem a ciência, nem a terapia têm conseguido identificar soluções efetivas para o problema (o que não quer dizer que seja um problema para toda a gente).

Há várias explicações possíveis. Do ponto de vista biológico, há quem especule estar relacionado com uma diminuição na produção de dopamina e com níveis mais estáveis de serotonina – consequência da coabitação e redução da novidade. Independentemente da nossa biologia, é plausível que a rotina e o stress da vida diária conjunta, os papéis de género e a escassez de situações novas e excitantes sexuais e não sexuais, interfiram com o nosso desejo.

Há também quem defenda que a diminuição do desejo a longo prazo tem causas evolutivas e é consequência da monogamia a longo prazo, uma convenção social que alguns psicólogos e antropólogos consideram ir contra a nossa “natureza”. Não consigo não colocar natureza entre aspas porque creio que pensar a humanidade em termos biológicos e inatos reduz muito a sua complexidade.

Gosto de pensar que as pessoas são fruto da interdependência de vários fatores e que o desejo sexual, em específico, é particularmente sensível à falta de satisfação e prazer sexual que parece acompanhar a longevidade das relações.

“Um ano depois de um desgosto amoroso continuo sem apetite sexual. É normal?”. A resposta a esta e outras perguntas da terapeuta sexual Leonor de Oliveira
créditos: Dainis Graveris/Unsplash

Um ano depois de um desgosto amoroso continuo sem apetite sexual. Não acho normal.

Já a mim, parece-me normal. Um desgosto amoroso pode espoletar sintomas depressivos e levar a uma série de experiências internas que não beneficiam o desejo sexual, nomeadamente a falta de energia, humor deprimido e a anedonia (a perda marcada de prazer). Se nos sentimos pouco enérgicos e desinteressados, em baixo e sem conseguir usufruir dos prazeres da vida, não é de espantar que não sintamos desejo. O desejo implica uma motivação para agir e, quando estamos deprimidos, essa motivação não existe. É normal e é temporário, mas pode implicar algum esforço para reverter a situação – que é difícil de mobilizar quando estamos deprimidos. De qualquer forma, não á algo por que devamos passar sozinhos. É importante partilharmos as nossas dificuldades emocionais com a nossa rede de afetos e, possivelmente, procurar psicoterapia. Quando nos voltamos a sentir melhor, o desejo também volta.

Tenho pouco desejo sexual e também tenho baixa autoestima. Poderá estar ligado?

Sim. A autoestima, particularmente a autoestima corporal, te, sido consistentemente associada à disfunção sexual e evitamento das relações sexuais. A autoestima corporal, e não necessariamente o peso em si, pode levar a menos desejo sexual, talvez por nos fazer acreditar que não somos desejados ou que não merecemos ter prazer devido às nossas características corporais. Ora, o prazer sexual implica entrega emocional e atenção autofocada. Só conseguimos entregar-nos se nos sentirmos seguros. Como podemos estar seguros, quando imaginamos que a outra pessoa não nos deseja? Além disso, é difícil permitirmo-nos a ter prazer se estivemos distraídos com o nosso corpo ou preocupados com a falta de desejo do outro. Uma consequência destes sentimentos pode ser o evitamento sexual.

Qual é a relação entre idade e apetite sexual? Há diferenças entre homens e mulheres?

Apesar de encontrarmos uma relação entre o envelhecimento e a diminuição do desejo, não quer dizer que a idade explique o fenómeno. Muitas vezes é o facto de haver estigma associado ao sexo na velhice, não ter parceiros (devido a morte, divórcio, etc.), ou ter problemas de excitação (lubrificação, ereção) que dita a falta de desejo. Por outra, talvez o desejo não diminua por causa da idade, e sim por outros fatores pessoais e sociais que acompanham a idade. Além disso, ter menos desejo em termos gerais não significa eu se tenha menos prazer nas situações em que o sexo acontece. A investigação indica que os homens apresentam níveis médios de desejo sexual mais elevados do que as mulheres ao longo da vida, mas não sei se é um dado muito relevante. Parece-me que estas diferenças podem ter raízes socioculturais e que não devem ser interpretadas como diferenças de género naturais a priori. O que gostava de salientar é que o envelhecimento, independentemente do género, não só não mata o desejo, como até parece estar associado a maior prazer. As mulheres especificamente, relatam sentir mais prazer com o avançar da idade, talvez por terem mais experiência sexual, autonomia e assertividade.