A internet, e particularmente as diversas plataformas de redes sociais, trouxeram-nos a maravilha da rapidez e da proximidade na comunicação, é um facto. Mudaram as nossas vidas para sempre, aproximaram-nos, em tempo e vivências, e promoveram a voz de todos. No entanto, sem dúvida que também nos trouxeram coisas menos boas, e hoje quero falar-vos de uma que me causa particular preocupação: a desinformação e o seu impacto na saúde mental! 

As plataformas de redes sociais tornaram-se num dos meios mais populares de gerar e partilhar informação sobre saúde em geral, e saúde mental em particular. Pensemos no lado incrivelmente positivo, e o impacto que têm tido na redução do estigma associado à doença mental e promoção da saúde mental. Pôr toda a gente a falar sobre isto e a alertar para a proximidade da experiência é, sem dúvida, um ganho talvez nunca antes conseguido. E quando a informação é, de facto, de qualidade, a literacia em saúde mental também aumenta, logicamente. Contudo, surgem de vários quadrantes preocupações crescentes (e válidas) acerca da desinformação que muitas das vezes é partilhada e o potencial dano que pode causar em que a consome, e mesmo nos serviços de saúde.

Alguém que muito estimo e admiro costuma dizer que “ter uma opinião dá muito trabalho”. E eu não podia estar mais de acordo. Ter uma opinião implica recolher informação de qualidade sobre um tema, analisar e pensar criticamente sobre o que se leu/ouviu/viu, em muitos casos ter formação especializada para a interpretar, e depois então formular um conjunto de pensamentos que sustentem, organizem e expliquem a tal opinião. Talvez as redes sociais, hoje em dia, nos mostrem que parte do mundo se esqueceu desta premissa… ou esqueceu, ou nunca teve a oportunidade de a aprender, porque já nasceu num mundo onde vale dizer a primeira coisa que se lhe vem à cabeça e, aparentemente, está tudo bem com isso. Mas não ter muito trabalho para construir uma opinião, em muitas situações, pode ser um acto danoso e de irresponsabilidade quando a partilhamos com o mundo.

Veja-se o exemplo da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA): esta é uma perturbação real (é verdade, em 2023 ainda existe quem não “acredite nela”), sobretudo agora nos adultos dizem que “é moda”, e afecta 5% das crianças e adolescentes, e 2.5% de adultos. Particularmente, a PHDA na idade adulta tem ganho um foco acentuado na comunidade científica nos últimos anos, fruto talvez da demora na compreensão desta perturbação e da sua evolução ao longo dos diferentes períodos de desenvolvimento, pois começou por ser apenas reconhecida em crianças e adolescentes, e o seu carácter neurodesenvolvimental e a manutenção e impacto na idade adulta, chegaram tardiamente a ser reconhecidos. 

A par do interesse da comunidade científica surgiu também o interesse da população em geral. E as plataformas de redes sociais tornaram-se num dos meios mais populares, sobretudo para adolescentes e jovens adultos, de partilhar informação sobre PHDA. Um estudo muito recente feito no Canadá mostra-nos que o ADHD (sigla da PHDA em inglês) é o sétimo mais popular em temas relacionados com a saúde no TikTok. No ano de 2022 estes vídeos foram visualizados por mais de 11 biliões de visualizadores. A análise deste estudo mostrou que cada um dos 100 vídeos elegíveis e incluídos teve, em média, 2.8 milhões de visualizações e foi partilhado, em média, 31.000 vezes. Estes investigadores categorizam os vídeos analisados em vídeos com informação cientificamente correta, vídeos com informação cientificamente errada e vídeos que refletem apenas experiências pessoais. Os resultados obtidos devem deixar-nos receosos: aproximadamente metade dos vídeos analisados (52%) continham informação cientificamente errada, sendo as pessoas não profissionais de saúde responsáveis por gerar a sua grande maioria (49 em 52 vídeos, em termos práticos). Na mesma linha, foram os vídeos que refletem apenas experiências pessoais (27%) aqueles que geraram maior engagment (i.e., visualizações, likes e partilhas) entre os utilizadores de TikTok. E do total de vídeos analisados apenas 21% continha informação efetivamente válida e cientificamente correta sobre PHDA. O receio cresce ainda mais se considerarmos que, tal como os autores referem, este estudo vê assim replicadas as conclusões de estudos anteriores em relação a outras plataformas tais como o Twitter e o Youtube, por exemplo.

É importante ficarmos todos apreensivos com estes dados e estas conclusões, pois com estes números facilmente damos o salto para questões que devem ser alvo de reflexão nas mentes de todos, e particularmente na mente de quem gera e publica conteúdo nos social media: Qual o impacto que estas publicações geram em quem as vê? Qual o impacto que comportam na literacia sobre PHDA em particular, e sobre saúde mental em geral? Qual o impacto que geram na utilização e recurso a serviços de saúde mental especializados? 

Vamos todos ter muito trabalho a construir as nossas opiniões, a ser muitíssimo mais responsáveis na utilização destas ferramentas com um imenso potencial na disseminação de informação sobre saúde mental, que é muito necessária, mas que só pode ser útil e verdadeiramente transformadora se tiver qualidade e for cientificamente válida! Julgo que todos queremos o mesmo mas o caminho tem de ser repensado e trabalhado!

Um artigo de opinião da psicóloga clínica Mariana Rigueiro Neves.