De acordo com a Presidente da Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose, a falta de apoios laborais e assistenciais para as mulheres com endometriose faz com que seja uma “doença para pessoas ricas”. Susana Fonseca revela que em muitos casos é preciso realizar cirurgias, ter acesso a consultas de fisioterapia, nutrição e de acompanhamento psicológico, acarretando, por isso, custos elevados para as doentes.

HealthNews (HN)- A endometriose pode chegar a ser altamente incapacitante, dolorosa, incompreendida e em muitos casos até desconhecida. Como que a explica a falta de conhecimento sobre esta patologia?

Susana Fonseca (SF)- Há uma perpetuação de mitos dentro da sociedade e da comunidade médica. Ainda se pensa que é “normal” ter dor durante o período e nas relações sexuais. Isto tem levado a que as próprias doentes, quando apresentam sintomas sugestivos de endometriose, não procurem a ajuda de um especialista. O que também acontece é que quando estas mulheres se dirigem ao consultório, o médico é o primeiro a desvalorizar essa sintomatologia.

HN- Cada corpo é um “mundo” diferente. Apesar de os sintomas variarem de pessoa para pessoa, quais as manifestações clínicas mais comuns?

SF- Normalmente a primeira manifestação da doença é a dor. Esta pode ocorrer durante a menstruação, na relação sexual, na parte intestinal com cólicas e diarreias e pode, inclusive, provocar queixas a nível urinário.

HN- Em que momento as mulheres devem procurar ajuda médica e perceber que a dor que sentem não é “normal”?

SF- Qualquer dor que nos impeça de realizar a nossa rotina e que nos obrigue a recorrer a medicação com frequência tem que ser investigada. Trata-se de um sinal de alerta emitido pelo nosso corpo para que haja uma atenção redobrada para perceber o que é não está a funcionar bem. Por exemplo, quando há dor durante a relação sexual, seja com ou sem penetração e quando há sangramento é claro que não pode ser algo normal.

HN- Esta doença é sofrida por muitas mulheres em silêncio. O impacto que esta doença provoca também difere de mulher para mulher?

SF- Sim. Esta doença pode ir de um extremo ao outro. Há mulheres que não se sentem afetadas pela endometriose e há outras que veem o seu dia a dia comprometido. Há casos de mulheres assintomáticas e que descobrem a doença por acaso ou porque não conseguem engravidar. No entanto, a grande maioria vê a sua vida impactada devido à dor que sentem e que não conseguem controlar com a medicação.

No que toca à vida sexual, a endometriose pode levar a que as mulheres se retraiam porque sabem que irão sentir dor, afetando a sua satisfação enquanto mulher e na relação do casal.

HN- Segundo a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, mais de 40% das mulheres com endometriose demora mais de uma década até obter o diagnóstico. Que outras medidas, para além daquelas que já mencionou, devem ser implementadas para pôr fim a este problema de subdiagnóstico?

SF- O trabalho que poderia ser feito por nós já está a ser feito. A nossa associação tem apostado na implementação de ações de sensibilização junto das escolas, de modo a alertar as meninas e os meninos para os sintomas da doença. Apesar deste nosso esforço, falta a componente de formação de profissionais de saúde. Até há poucos anos, a endometriose não fazia parte dos temas abordados no curso de Medicina nem no curso de Enfermagem.

HN- Como é viver com esta doença em Portugal?

SF- Eu costumo dizer que é uma doença para pessoas ricas, uma vez que os apoios que existem no SNS são muito escassos. Muitos casos obrigam à realização de cirurgias, consultas de fisioterapia e nutrição. A endometriose é uma doença que impacta a vida da mulher de forma global, portanto há casos em que é preciso acompanhamento psicológico… Tudo isto tem custos bastante elevados e o SNS nem sempre consegue dar resposta.

Não havendo equipas multidisciplinares dentro do Serviço Nacional de Saúde, vales-cirúrgicos que encaminhem as doentes para os centros de referenciação do setor privado e não havendo apoios a nível dos direitos laborais o desafio é enorme.

HN- O parlamento discutiu em fevereiro uma petição da MulherEndo para a criação de uma estratégia nacional de combate à doença, tendo o PS chumbado todos os projetos de lei e projetos de resolução que previam mais direitos laborais e assistenciais a estas pacientes. Qual a leitura que faz desta rejeição?

SF- Foi com grande surpresa que vimos a rejeição de todas as medidas, uma vez que a intervenção do PS nesse mês tinha sido de convergência com a necessidade de implementar estas medidas. Basicamente tudo o que envolvia gastos para o Governo foi chumbado.

HN- Foram mais de 8 mil assinaturas. Foram 8 mil pessoas silenciadas?

SF- Diria que sim. Deram-nos o Dia Nacional da Endometriose que já é alguma coisa, mas em termos práticos é preciso muito mais.

HN- No dia 24 de março, o Parlamento aprovou por unanimidade um projeto de resolução, o qual recomenda, entre vários aspetos, a classificação da doença como sendo crónica e grave; a possibilidade de recolha de ovócitos em mulheres diagnosticadas e a emissão de ‘vales-cirurgia’ para hospitais de referência do setor privado sempre que a resposta no SNS seja insuficiente. Do seu ponto de vista, qual a razão que existe para não ver estas medidas fora do papel?

SF- É importante clarificar que se trata apenas de um projeto que recomenda ao Governo a avaliação de implementação de um conjunto de medidas de apoio às mulheres com endometriose. Ou seja, na prática este projeto não se traduz em nada a não ser que o Governo assim o entenda. Mas respondendo concretamente à pergunta, penso que há muita falta de investigação e de contabilização concreta dos custos que a doença acarreta ao SNS… Temos doentes não-diagnosticadas que se dirigem mensalmente ao serviço de urgência. Temos mulheres a fazer inúmeros exames no SNS que são inconclusivos e inúmeras mulheres a fazerem tratamentos de fertilidade em vão porque não trataram a endometriose. Portanto, é uma doença que acarreta inúmeros custos e até agora não houve essa consciência de que é preferível prevenir, diagnosticar e tratar estas mulheres em condições do que andar com pensos rápidos. No final de contas isto tudo aumenta os custos do SNS.

HN- Qual a sua mensagem para assinalar o Mês da Endometriose?

SF- Penso que foi um mês muito produtivo em termos de sensibilização. A nossa associação conseguiu chegar a muitas pessoas. Portanto, a mensagem que deixo às doentes com endometriose é de que não iremos desistir de ver no papel os nossos direitos assegurados.

Entrevista de Vaishaly Camões