“Ou encaramos, a nível nacional, de uma maneira completamente diferente as carreiras, as remunerações, os incentivos, não só financeiros, dos profissionais, ou então estamos automaticamente, mesmo que seja involuntário, a privilegiar a prestação privada”, advertiu João Oliveira em entrevista à agência Lusa, na véspera de se assinalar o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro.

Isto porque para os hospitais privados, argumentou, “é muito fácil fazer a diferença para melhor relativamente ao que se passa neste momento com a contratação de profissionais do Serviço Nacional de Saúde”, que é o “problema maior”.

Questionado como combater a concorrência do setor privado, o presidente do Conselho de Administração do Instituto Português de Oncologia de Lisboa respondeu com o que está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que aponta “medidas excecionais de contratação e de manutenção dos profissionais por parte do Ministério da Saúde”.

“Esta é a pedra de toque de tudo isto. O Serviço Nacional da Saúde é reconhecido como um objetivo maioritário da atividade no país da vida nacional”, sustentou.

O oncologista congratulou-se por o tema da saúde ter sido amplamente debatido na campanha eleitoral para as eleições legislativas, que decorreram no domingo, em que o PS obteve maioria absoluta.

“Fiquei muito satisfeito por ver que o primeiro-ministro foi intransigente em relação ao caráter público da saúde (...) espero que a concretização dessa intenção governamental se mantenha, dando o devido valor àquilo que é a qualidade e quantidade dos profissionais do Serviço Nacional de saúde, que requer uma alteração radical da forma como são encaradas as carreiras, as remunerações, os estímulos, a especificidade que existe na saúde relativamente a outras áreas do serviço público e que está de resto consignada no Programa de Recuperação e Resiliência”, sustentou.

No IPO de Lisboa, adiantou, o problema é mesmo a fixação dos profissionais de saúde.

As estimativas do plano de atividades do IPO apontavam para 2.309 profissionais de saúde no final de 2021, mas totalizaram 2.009. A falta é mais acentuada nos enfermeiros.

“Nós dizemos que o escrutínio pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério das Finanças relativamente às contratações é muito restrito, mas agora já nem posso dizer que é na falta de autorizações”, referiu, acrescentando que “as condições que se oferecem são facilmente ultrapassadas por outras que se oferecem nas entidades privadas”.

No caso dos enfermeiros, há autorizações de contratação em número superior aos que se conseguem contratar: “É muito fácil uma instituição privada cativar enfermeiros muito especializados e que gostariam de continuar a trabalhar aqui”.

“Isto é um desperdício de eficiência”, disse, elucidando que numa cadeia de cuidados que conta com médicos e enfermeiros “muito especializados”, quando falta um elemento de uma profissão menos especializada, como um assistente operacional, desperdiça médicos, enfermeiros e tecnologias.

Para João Oliveira, esta situação tem de ser compreendida, defendendo que não se pode encarar um hospital como se encaram outras instituições em que possa haver uma menor especialização.

“Existe a desconfiança, se calhar, de alguns setores de que o Serviço Nacional de Saúde desperdiça meios, nomeadamente meios humanos e que tem gente a mais e que deve ser restringido”, descreveu, contrapondo: “Não é verdade no Instituto de Oncologia é não é verdade, penso eu, em nenhum sítio”.

João Oliveira observou que a complexidade das técnicas para fazer diagnóstico e tratamento do cancro e de outras doenças exige “mais profissionais e não menos”.

“Há que perceber que, aumentando a complexidade do que fazemos para benefício dos doentes e para a segurança deles, tem que haver uma sincronização, o ‘matching’ adequado entre as diferentes profissões e as diferentes carreiras”, defendeu.

Na sua opinião, não haver “uma atenção particular” às carreiras e o facto de haver “muitas discrepâncias” faz com que haja “insatisfações que vão prejudicar o trabalho”.