“Estou seriamente preocupado”, admitiu Fernando Araújo, comentando o apelo partilhado por muitos médicos nas redes sociais para recusar cumprir, a partir de outubro, mais do que as 150 horas extraordinárias anuais que são obrigatórias.

O protesto “está a tornar-se um movimento inorgânico e depois é mais difícil dialogar” porque não se trata de uma greve em que há sindicatos organizados, que negoceiam serviços mínimos, considerou o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), que hoje esteve presente em Cascais no Global Health Forum, organizado pelo Fórum Saúde XXI e pela CIMGLOBAL.

“Este tipo de abordagem pode pôr em causa o serviço de urgências e depois não há alternativas, nem públicas nem privadas, para os utentes”, disse Fernando Araújo.

“Se não tivermos os hospitais do nosso lado não é possível haver uma reforma”, salientou o responsável, num debate que incluiu o ex-dirigente social-democrata Luís Marques Mendes, também atual conselheiro de Estado e que considerou que "o problema que existe hoje no SNS não é técnico, é político”, e que “sem abrir os cordões à bolsa” não é possível resolver o “clima de crispação” atual com os profissionais de saúde.

Hoje, há uma “crise séria nos hospitais”, relacionada com a recusa dos médicos em fazer horas extraordinárias nas urgências e Marques Mendes disse temer que os próximos dias sejam "muito difíceis” para os utentes.

Para resolver este impasse, Marques Mendes pediu um “pacto para a saúde negociado, acertado numa perspetiva de curto e médio prazo”, porque “não há um SNS sem profissionais de saúde motivados e bem pagos”.

Marques Mendes criticou também os atrasos de “muitos meses” na publicação do estatuto da direção executiva do SNS, que vem substituir o anterior estatuto em vigor durante os últimos 30 anos, ajustando o SNS à nova Lei de Bases da Saúde, aprovada em 2019.

O ex-dirigente do PSD considerou o atraso uma “perfeita anormalidade” e atribuiu responsabilidades ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que um pouco antes fez uma intervenção na abertura da sessão.

Marques Mendes salientou que o PS está no poder há oito anos e que, apesar de mais investimento e de mais profissionais contratados, os governantes "escondem que os resultados são piores do que eram antes”, com “mais listas de espera para cirurgias” ou utentes sem médicos de família.

Perante isto, Fernando Araújo “corre o risco de ser uma vítima, de ser a pessoa certa no momento errado”, avisou Marques Mendes, salientando que “medidas transformadoras” de setores da governação devem ser “feitas no início dos mandatos, mas este mandato tem oito anos”, referindo-se ao início da governação socialista.

Fernando Araújo admitiu que os “estatutos são importantes” para exercer as funções, mas disse esperar que essa publicação “se concretize em breve”.

“Com isso vem também o mapa de pessoal para que possamos levar a termo todas as medidas” previstas, salientou o dirigente, embora sublinhando que a sua equipa tem “estado a trabalhar de forma intensa” na revisão do setor.

“No caso do SNS, ou temos reformas rápidas ou corremos o risco de perdermos o SNS como o conhecemos”, pelo que são necessárias medidas "coerentes, implementadas de forma célere”, focadas na autonomia das unidades de saúde e aposta na prevenção em vez da terapia, com novos modelos de financiamento mais focados na “integração de cuidados do ponto de vista clínico”.

As empresas públicas criadas a partir das unidades de saúde “vão passar a responder à comissão executiva que terá orçamento e autonomia” na gestão de recursos, com “independência e capacidade de tomar decisões”, exemplificou Fernando Araújo, salientando que esta reorganização vai permitir melhores resultados.

“É mais barato prevenir do que tratar”, salientou o dirigente, que destacou também algumas medidas de desburocratização que foquem os médicos na relação com os doentes.

Em muitos casos, as “declarações e certificados” médicos são “causa de tempo perdido” para todos e podem ser atribuídas de outro modo, disse.

A introdução da autodeclaração de doença permitiu reduzir 400 mil consultas anuais e está em conclusão o processo para autorizar os serviços de saúde privados a emitirem certificados de incapacidade temporária, sem necessidade de validação do médico de família.

Além disso, explicou Fernando Araújo, prevê autorizar em breve a atribuição de medicamentos a doentes crónicos em farmácias sem necessidade de receitas, de acordo com o historial clínico de cada utente.

“Este ano tem de ser o grande ano de lançamento” de medidas de uma “agenda urgente para facilitar a vida às pessoas”, considerou o diretor executivo do SNS.