Em entrevista à agência Lusa, quando a EARHVD completa quatro anos de funcionamento, o procurador jubilado Rui do Carmo apontou que é difícil encontrar um traço comum porque “nenhum dos casos analisados é exatamente igual ao outro” e começou por enunciar que em alguns dos 11 casos analisados houve “sucessivas denúncias, sucessivos inquéritos arquivados”.
“Até que, a determinada altura, a agressão desencadeou lesões mais graves e o homicídio. Tivemos alguns casos desses, em que, obviamente, não foi possível tratar da melhor forma as denúncias inicialmente apresentadas”, adiantou, sublinhando que estão atualmente a ser dados passos significativos para ultrapassar esses entraves.
Lembrou que, em alguns casos, quando a vítima recusava prestar depoimento no âmbito do inquérito - o que lhe é permitido - os inquéritos esvaziavam-se e ficam sem prova dos factos “porque não havia nenhuma proatividade no sentido de recolher uma outra prova” ou de “ir à procura de elementos que pudessem comprovar aquelas agressões”, independentemente da colaboração da vítima.
“Encontrámos processos em que o rasto de processos arquivados precisamente nesta circunstância era grande e havia incapacidade do sistema de intervenção de fazer parar aquelas agressões”, revelou.
Por outro lado, a equipa analisou também três casos, estando o quarto em vias de estar concluído, em que o homicida se suicida imediatamente a seguir a cometer o crime, o que equivale a cerca de um terço do total de casos estudados.
Segundo Rui do Carmo, nestes casos, “o homicídio está já associado a uma intenção de se suicidar a seguir”, uma constatação que vai ao encontro de dados estatísticos internacionais, que demonstram que é em contexto de violência doméstica que “o suicídio após homicídio é mais significativo” e que acontece “fundamentalmente nos homens”.
No entanto, a equipa encontrou também casos em que o primeiro evento relevante foi o próprio homicídio, sem que houvesse conhecimento de qualquer indício por parte das várias entidades que têm intervenção na matéria, desde os serviços de apoio social, aos serviços de saúde, autoridades policiais ou serviços de apoio social.
“Nós fazemos [um] levantamento em todas as áreas da informação que há sobre o percurso destas pessoas e, em alguns casos, chegámos a fazer levantamentos que vão dez anos atrás no percurso deste conflito e houve casos em que não encontrámos rigorosamente nada registado nestas várias entidades”, revelou.
Rui do Carmo lembrou que a constituição da equipa surge da alteração da lei da violência doméstica, em 2015, que traz o procedimento de revisão dos casos em que tivesse havido um homicídio no âmbito de relações de intimidade e das relações familiares, tendo a equipa começado o seu trabalho em 2017.
“Os objetivos são verificar o que é que passou, qual foi a intervenção das várias entidades do setor público, privado, social, verificar se era possível ter feito algo de diferente no sentido de uma intervenção mais eficaz para evitar aquele resultado e a partir dai extraírem-se condições e fazerem-se propostas para melhorar o sistema de combate geral à violência contra as mulheres e a violência doméstica”, apontou.
Explicou também que o Ministério Público e os tribunais estão obrigados a enviar à equipa todas as decisões finais dos casos de homicídio neste contexto, sendo que isso acontece, por exemplo, quando o inquérito é arquivado na sequência do suicídio do homicida, “o que acontece numa grande percentagem de casos” em Portugal.
Na opinião do procurador Rui do Carmo, o trabalho da EARHVD tem tido resultados, sublinhando que os relatórios e recomendações são geralmente analisados com as entidades às quais são dirigidos.
Nessa matéria, destacou o papel do setor da saúde, “importante não só na deteção da violência doméstica”, mas também no apoio às vítimas, “que nem sempre recorrem explicitando o que aconteceu”.
Acrescentou que isso levou a um “diálogo importante com a Direção-Geral da Saúde” para melhorar a deteção e a intervenção nestes casos e levou a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde a fazer um levantamento e um inquérito aos serviços de primeira linha sobre a forma como estavam a abordar as pessoas que se apresentavam com queixas de violência doméstica.
Disse ainda que esse trabalho levou à criação de um registo informático específico dos serviços de saúde para estes casos.
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