22 de novembro de 2013 - 09h12
Quase um quarto das pessoas infetadas com VIH/Sida inquiridas num estudo disse ter sido excluído da família e metade dos participantes foi forçada a mudar de casa e perdeu uma oportunidade de trabalho por "viver com vírus".
O Stigma Index Portugal, que analisa pela primeira vez o estigma que existe no país relativamente às pessoas infetadas com VIH, inquiriu 1474 pessoas com VIH de vários grupos vulneráveis.
"O objetivo do estudo foi identificar e caracterizar uma situação que todos dizemos ser prioritária para resolver, mas que não conhecíamos os seus contornos, consequências e causas em Portugal, que é a discriminação pelo facto de se viver com VIH/Sida", disse esta quinta-feira à agência Lusa o coordenador do estudo e diretor do Centro Anti-Discriminação, Pedro Silvério Marques.
Questionados sobre os tipos de exclusão que sofreram, 24,7% dos inquiridos disseram ter sido afastados de "atividades com familiares", 23,3% de "atividades religiosas ou dos lugares de culto" e 20,1% de "encontros ou atividades sociais". Para Pedro Silvério Marques, é "muito chocante ver que o principal meio de exclusão [destas pessoas] é o ambiente familiar, mais do que os ambientes sociais".
Sobre as consequências da discriminação nos últimos 12 meses, 25% dos participantes foram forçados a mudar o local de residência ou impedidos de arrendar casa e 25% viram ser-lhes recusada ou negada uma oportunidade de trabalho.
O estudo, que foi apresentado esta quinta-feira na III Conferência VIH Portugal, indica que a 14,4% mudaram-lhe as tarefas no trabalho.
Sobre a situação laboral, a maioria dos inquiridos (608) está desempregada, 318 estão empregados a tempo inteiro por conta de outrem, 233 estão reformados, 175 fazem "biscates ou trabalhos precários por conta própria", 58 são empregados a tempo inteiro por conta própria, 52 empregado em part-time por conta de outrem e 30 são estudantes.
Negado tratamento de dentes
Na área da saúde, uma em cada três pessoas infetadas com o VIH diz ter sido discriminada no acesso a cuidados de saúde no último ano. Pedro Silvério Marques disse que ficou "surpreendido" com "o peso que a discriminação tem nos serviços de saúde", pensando que esta carga seria maior no meio laboral. "Cerca de 30% das situações são originadas nos serviços de saúde, o que é inaceitável", lamentou. No meio laboral, "além da entidade patronal, há os colegas de trabalho, que podem ter atitudes de discriminação, mas, nos serviços de saúde, o contacto é muito mais direto e pessoal, entre o profissional de saúde e o doente", observou.
Nos últimos 12 meses, foi negada a prestação de cuidados de saúde, como o tratamento de dentes, a 22,9% dos inquiridos, refere o estudo. Já 5,7% viram recusado o atendimento num serviço de planeamento familiar e 3,4%, na área da saúde sexual e reprodutiva.
Na área da saúde, há "um duplo tratamento", disse Pedro Silvério Marques, explicando: "No serviço de doenças infecciosas, de um modo geral, as pessoas são tratadas sem qualquer discriminação, mas quando têm de passar para outros serviços, é uma desgraça". "O grande problema é que, até agora, todas as tentativas que fizemos de formação direccionada aos técnicos de saúde nos hospitais esbarraram sempre com uma declaração de auto-suficiência", sublinhou.
O Centro Anti-Discriminação tem realizado sessões de formação junto de professores, formadores, técnicos do serviço social, que têm "uma vontade imensa" de participar nestas ações sobre VIH e estigma e sobre a forma correta de tratar as pessoas com VIH, mas "no sistema de saúde isso é impossível". "Temos insistido com a Direção-Geral da Saúde [DGS] para que seja ela a propor estas formações, porque a reação podia ser diferente, mas não conseguimos", lamentou. Alguns estudantes de Medicina já participaram nestas ações, "mas a classe médica em geral considera que sabe tudo e não tem nada a aprender com ninguém".
Pedro Silvério Marques espera que os resultados do estudo incentivem a DGS "a olhar para este problema de uma forma muito mais séria e desenhar programas de intervenção juntos dos estudantes de Medicina, dos clínicos e dos enfermeiros para que se ultrapasse esta situação, que é vergonhosa para a classe e vergonhosa para os serviços".
Nos últimos 12 anos foram registadas perto de 2000 situações de discriminação, a maior parte (cerca de 700) por falarem mal da pessoa infetada com VIH, seguindo-se o insulto (cerca de 400), as ameaças (cerca de 300) e as agressões físicas (cerca de 200), tendo atingido maior incidência sobre os utilizadores de droga injetável e os imigrantes ilegais.
 O coordenador alientou ainda a importância deste estudo para se conhecer a realidade portuguesa sobre esta situação: "Apesar de ser prioritário, não havia ação nenhuma no sentido de combater o estigma e a discriminação. Só palavras". Os dados servirão para "direcionar as ações e os esforços, quer na formação das pessoas na área da ética dos direitos dos cidadãos, quer para criar condições e ultrapassar os obstáculos que, neste momento, existem para que não haja situações de estigma e discriminação", frisou.
O estudo é um projeto internacional e em Portugal foi coordenado pelo Centro Anti-Discriminação, com a associação SER+ e o Grupo Português de Ativistas sobre Tratamentos de VIH/Sida, tendo sido financiado pelo Programa ADIS-SIDA.
Os locais de entrevistas foram os hospitais e centros hospitalares de Lisboa, Porto, Setúbal e Faro, os distritos em que a prevalência dos casos notificados até 31 de Dezembro de 2011 era superior a 5%.

Lusa