“A Europa social é o coração da presidência portuguesa”, assumiu fonte governamental, frisando a ideia de um reforço do modelo social europeu como resposta à crise e como fator de crescimento.

A quarta presidência portuguesa inicia-se em janeiro com a Europa confrontada com uma segunda fase da pandemia de covid-19 possivelmente mais grave do que a primeira e a perspetiva de um prolongamento dos efeitos da crise económica provocada pelos confinamentos da primeira vaga.

A presidência portuguesa “surge num momento crucial”, pois a pandemia, que provocou a maior crise na Europa desde a II Guerra Mundial, “ainda não acabou e a recuperação está ainda numa fase inicial”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa entrevista à Lusa no final de setembro.

A resposta da UE à pandemia causada pelo novo coronavírus dominou a presidência alemã, no segundo semestre de 2020, com o acordo histórico alcançado em julho pelos líderes europeus sobre o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 e o Fundo de Recuperação a ele associado, num valor total de 1,82 biliões de euros.

As negociações com o Parlamento Europeu, que tem de aprovar o orçamento, ainda não estão fechadas, mas há progressos e o Governo tem afirmado esperar que haja acordo até ao final do ano.

Caberá então à presidência portuguesa a “tarefa absolutamente essencial”, nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, de começar o longo e complexo trabalho da sua implementação.

Será da presidência a responsabilidade de alcançar a maioria qualificada dos 27 necessária para aprovar os planos nacionais dos Estados-membros para a libertação da primeira ‘tranche’ de empréstimos e subvenções do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência.

O ‘Brexit’ é outro ‘dossier’ que vai ter um forte impacto na presidência, sobretudo se não for concluído até 31 de dezembro o acordo sobre a relação futura entre a UE e o Reino Unido.

A condução da negociação cabe à Comissão Europeia, mas a incerteza e as consequências de um eventual ‘no deal’ têm reflexos em todas as dimensões.

Desde logo porque, sem acordo, as relações económicas passam a reger-se pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que implicam a imposição de tarifas aduaneiras no comércio entre o Reino Unido e a UE.

“Começar a presidência com filas em Calais, os camiões a pagar taxas aduaneiras e a fazer a verificação fitossanitária dos produtos que levam, vai ser bastante complicado para as empresas de um lado e do outro”, admitiu recentemente a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, no Parlamento.

Mesmo que um acordo seja alcançado, o ‘Brexit’ continuará a impor-se à presidência, que terá de conduzir as negociações com Londres em áreas como a justiça, a defesa, a circulação de pessoas, transportes ou segurança alimentar, entre muitas outras.

Estas condicionantes impõem-se ao programa da presidência, concertado pelo trio composto pela Alemanha, Portugal e a Eslovénia, que presidem sucessivamente ao Conselho da UE entre 01 de julho de 2020 e 31 de dezembro de 2021.

Augusto Santos Silva disse em junho, no Parlamento, que a pandemia “não pôs em causa” nenhuma das prioridades estratégicas - Ambiente, Social, Global, Digital e Resiliência -, mas, pelo contrário, mostrou a necessidade de “aceleração de algumas cuja premência se tornou mais evidente”.

“O programa do trio pode ser sintetizado numa frase: ter em conta as prioridades estratégicas da União Europeia, com a consciência do profundo choque causado pela covid-19 e os seus efeitos sociais e económicos e, por isso mesmo, tendo também o sentido da urgência de agir”, afirmou.

“O foco” e “o coração” da presidência portuguesa vai ser a Europa Social, com uma Conferência e um Conselho Europeu informal, a 07 e 08 de maio, no Porto, como “momento alto”.

O objetivo é aprovar um plano de ação que concretize os direitos proclamados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (2017), o que passa pelo debate sobre um salário mínimo europeu, o mecanismo de resseguro de subsídios de desemprego, a garantia para a infância e juventude ou a igualdade de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho.

“É muito importante que os europeus compreendam que o seu modelo social é a melhor arma que possuem para assegurar uma transição bem sucedida em matéria de transformação digital da economia, do pacto verde, de transição energética”, afirmou Santos Silva numa entrevista à Lusa em julho.

“Tópico fundamental” da presidência portuguesa vai também ser, segundo o Governo, a relação com África.

Foi Portugal que lançou a I Cimeira UE-África (Cairo 2000), desenvolveu a difícil negociação para a II Cimeira (Lisboa, 2007) e, agora, face à impossibilidade de se realizar nova cimeira na presidência alemã devido à pandemia, afirma o seu empenho em contribuir para a sua realização em 2021.

Ainda na vertente externa, Portugal vai organizar uma Cimeira UE-Índia, na qual espera desbloquear as negociações económicas, suspensas desde 2013, e abrir caminho a uma nova agenda de cooperação para a Parceria Oriental.