Não é fácil escrever, nem fazer uma reflexão sobre este tema, sem que coloquemos a questão: E se fosse eu? E se fosse comigo?
Segundo a Srª. Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em 2023, o número de pessoas sem-abrigo em Portugal aumentou 23%. São já mais de 13 mil pessoas!
No início do 1º. Mandato do Sr. Presidente da República, foi assunto muito presente na agenda política, quando protagonizou vários “bonecos” políticos para as televisões e Sociedade, a visita aos “sem-abrigo” e a distribuição de refeições, durante a noite, ajudando brigadas de solidariedade, que o fazem todos os dias e não pontualmente.
Todos nós vimos e ouvimos histórias dramáticas, histórias de vida mal sucedidas, desencontros com a sorte e encontro com o azar. Mas estes casos não acontecem só em Lisboa, Porto, ou nas grandes cidades. Também constatamos muitas destas vivências em pequenas cidades e vilas, em Portugal, na Europa, assim como no mundo. Num olhar mais atento vemos “camas” montadas com caixas de cartão desfeitas, que servem de estrado e de colchão, para pernoitarem, noites a fio, no Verão ou no Inverno, no hall de prédios, no hall de multibancos das agências bancárias, seguradoras ou até nos bancos de jardim e vãos de escadas. Já não são só adultos de meia-idade, são também idosos e jovens, que se veem obrigados a este “estilo de vida” e “lançados” na rua, por opção própria, ou porque a vida não lhes sorriu!
Numa outra dimensão, de pobreza envergonhada, chegam-nos relatos de muitas crianças, em que a refeição completa que tomam, é a que é servida na Escola. Os lanches são os dados pelas Escolas ou muitas vezes partilhados por coleguinhas, ou a acção social escolar que está atenta e colmata estas carências.
Na nossa actividade profissional entramos em muitos domicílios para prestar cuidados de saúde, essencialmente tratamento de feridas e reabilitação, a muitos idosos. Como se diz da gíria popular, “as telhas encobrem muita pobreza”. E é certo! Constatamos muitas e muitas vezes que as casas estão frias, húmidas, com cheiro a “mofo”, paredes escuras cheias de humidade, cobertores antigos, pesadíssimos…
“Transportados” para a nossa experiência e vivência hospitalar, somos confrontados muitas e muitas vezes, com cenários de muita pobreza efectiva. Ao ponto dos Colegas dos Serviços de Urgência, dos internamentos de Medicina, Pediatria ou Saúde Mental, pedirem-nos roupa que não usemos, ou dos nossos filhos, para poder doar e vestir as pessoas internadas, ou quando têm alta, saírem com roupa lavada ou com mais uma muda de roupa.
Esta realidade para a qual, particularmente, nós Enfermeiros estamos mais despertos, verificamos e tentamos amenizar, nunca abrem telejornais, não são falados nas televisões, não aprecem nas revistas, nem nos media, nem os Políticos imaginam ou sabem que existe!
As cantinas sociais, as “vicentinas” e outros projectos de solidariedade social, fazem, sem dúvida um trabalho importante e que colmatam ou diminuem muitas carências. O banco alimentar, faz um trabalho essencial, com muitos voluntários e dádivas de milhares de anónimos, operando uma outra das vertentes de apoio no quotidiano de luta contra a fome e pobreza. Mas há ainda, muita e muita pobreza envergonhada e encoberta. E não é só a comida que falta na mesa. É também o vestuário, o calçado, o conforto no lar, a água quente para o banho.
Precisamos de estar mais despertos, sermos mais solidários, perceber que dimensões de pobreza “cabem e são expressas” em olhares tristes, em dias de trabalho sem rendimento, em inúmeras queixas de saúde, onde os resultados analíticos ou de imagem não traduzam a pobreza que muitos concidadãos transportam, todos os dias, por entre o sombrio nascer do Sol e o amargo ocaso, onde a noite não oferece um sono repousante e reparador. E desperdiça-se tanta comida e destrói-se tanta roupa sobrante!
Será que precisamos de aprender a ser mais solidários e a perceber as diferentes dimensões e “modalidades” que a pobreza tem, no mais simples e humilde dos dias?
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