Não que não fosses nada de que não estivesse à espera. Não. Mas morreste-me. Foi um acidente de carro que não tive. Ainda. Mas esse peso mantém-se, essa perna bem em cima do meu peito enquanto uma garra teima em degolar-me. E que ser é esse, que possui pernas e garras? És tu. Aliás, só podias mesmo ser tu. E parece que não te importas. Olhas-te ao espelho como se fosses bela. Que és. Mas acredita que não vês o mesmo que eu. Se visses, perceberias que és uma “Duquesa de Alba”. Que não és.
Sabes o que me custa, de facto? Que me tenhas ensinado a crescer da pior forma. Que tenhas desfeito todos os dogmas da medicina e me tenhas feito crer que é possível viver sem órgãos, sem nada. No vazio. Que o sangue é feito de oxigénio e azoto. Quem me dera que tu, sim, fosses feita de oxigénio e azoto. Não para que não existisses, mas para te respirar. Para às vezes ainda te sentir perto de mim.
O teu bonito falso sorriso, outrora verdadeiro e imperfeito. Sabes bem que a perfeição não existe e está provado que não gostamos de simetria. Mas agora és simétrica. Simétrica na tua assimetria habitual. Bem feito. Eu não te avisei? Se às vezes seguisses mais os meus conselhos, talvez agora não andasses aí à deriva no caminho certo que encontraste.
Sabes, gostava que estivesses aqui. Para te pedir pessoalmente que desaparecesses. Ou então, melhor: desaparece! De onde estás agora, para aqui. Para perto de mim. Para poder olhar todos os dias para ti e mostrar-te o quanto te odeio. Ou só olhar.
Apetecia-me discutir, perto de ti, a noite toda. Dizer-te cara a cara, perto de ti, tudo o que sinto que não devo dizer. Mas diria, bem perto de ti. Até te ver a chorar, ao meu lado, perto de mim. Para te secar uma ou outra lágrima, com a minha mão fria na tua doce cara quente. E desejo que o faças simetricamente. Sentada simetricamente ao meu lado, em cadeiras simétricas, num bar simétrico, enquanto bebemos uma bebida simetricamente. Como um espelho em que agora me olho. E tu não estás. Se me visses agora, ias rir-te. Com o teu bonito falso sorriso, outrora verdadeiro e imperfeito. E é por seres tão má e horrível que, às vezes, ainda penso em ti.
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