Passamos o dia a ser inundados por notícias inúteis, como a prisão de Assange ou a primeira fotografia de um buraco negro. Enfim, futilidades. O que realmente importa neste país nunca é sequer discutido. Caso contrário estaríamos a debater porque é que fazer um alisamento é tornar o cabelo liso e encaracolá-lo é uma permanente e não um encaracolamento. Já teríamos parado de discutir o nepotismo, porque vamos achar que este existirá sempre. O cúmulo do nepotismo foi o meu avô ter nomeado o meu pai para o elevado cargo de filho, quando eu sou muito mais qualificado a pedir-lhe favores.
Um país evoluído não discute estas trivialidades, discute manicure. Se antigamente alguém queria pintar as unhas de preto, bastava escolher a cor e pintava-as em casa. Hoje vai à manicure e tem todo um degradê de tipos de preto: preto Al Qaeda, preto anarquismo ou preto fascismo italiano. Já para não falar em todas as outras cores fluorescentes que, na minha infância, só se encontravam no carnaval, com a mais valia de que ainda traziam uns óculos com um nariz e um bigode agarrados. Nesse tempo, quem pintava uma unha de cada cor eram as crianças em tempos de festa, longe de saber que isso um dia viraria moda.
Hoje vai à manicure e tem todo um degradê de tipos de preto: preto Al Qaeda, preto anarquismo ou preto fascismo italiano
Antigamente, os idosos deixavam a unha do mindinho bem maior do que as restantes, para servir de chave de fendas ou para coçar o ouvido e tirar velas de fazer corar os souvenirs de Fátima. Como os velhotes só usavam uma das unhas maior, eram rotulados de pessoas com pouca higiene. Hoje em dia, como as mulheres o fazem de forma uniforme, são rotuladas de estarem na moda. Para além de as fazerem parecer a águia Vitória em cativeiro, as unhas excessivamente grandes dão a mesma funcionalidade de um cavalo a mexer num tablet. Isto sem falar no mal que fazem ao ambiente, porque gastam o triplo de papel higiénico de tanto o romperem.
O que nunca hei-de entender é porque é que a manicure, que faz disto vida, não decora quantas unhas têm duas mãos. Dá a ideia de que é sempre apanhada de surpresa e chega à altura e diz: "Ah, caramba. Estás com dez unhas. Tss... só tenho verniz para oito", ficando duas unhas completamente à mercê do mau gosto e diferentes do padrão. Ou então a cliente gosta tanto da manicure que diz: "Toma. O quarto dedo de cada mão é teu. Faz o que quiseres!" e depois, claro, ficam com quatro unhas de cada mão pintadas de escarlate e as que sobram pintadas com o Snoopy, o Dartacão, um acumular de brilhantes que parecem as jóias da coroa Britânica da Parfois ou, até mesmo, o jogo do galo.
Inventam inúmeras formas de arranjar as unhas para marcarem a diferença, sem se aperceberem que andam todas iguais. Ora são bicudas, ora ratadas na ponta, ora são corcundas, ora começam a afunilar do sabugo terminando sabe lá Deus como. Sinto que não morro sem ver unhas sextavadas. E são tudo menos congruentes: são capazes de se depilarem a laser e, simultaneamente, aderirem à moda de ter unhas com pêlo, dando a ideia de que coçaram os genitais com cola, no Inverno.
Tanto têm de ter as unhas arranjadas para festejar as bodas de papel canelado, como as arranjam posteriormente para festejar as bodas de chifres, quando tudo acaba
Arranjam as unhas para qualquer evento, desde uma simples festa de aniversário a umas bodas de casamento. Sim, porque hoje em dia toda a gente festeja bodas todos os meses, ou todos os meses e um dia. São as bodas de esferovite, de estruvite e depois de gastrite, dada a quantidade de porcaria que passam a comer depois de contraírem matrimónio. Tanto têm de ter as unhas arranjadas para festejar as bodas de papel canelado, como as arranjam posteriormente para festejar as bodas de chifres, quando tudo acaba.
O problema está no preço deste trabalho. Como não é, de todo, barato fazem com que dure o máximo de tempo possível. Por isso é que vemos unhas descascadas com o argumento de que "ainda tem de aguentar mais uma semana" ou as que se fica a notar o crescimento da unha, com o verniz a afastar-se cada vez mais da cutícula, fazendo parecer que têm uns dedos enormes e umas unhas de anão.
A estética das unhas é um assunto prioritário. Tão prioritário que, quando à minha volta ouço questionar "Tens gel ou gelinho?", apetece-me sempre responder "E na cabeça? Tens merda ou merdinha?".
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