Durante muitos anos, acreditámos que a regulação do peso corporal era passiva e exclusivamente dependente dos hábitos alimentares e da atividade física. Os avanços no estudo da obesidade, nas últimas décadas, levaram-nos a compreender que esta é uma doença que depende de múltiplos fatores genéticos, sociais e ambientais. Um dos mais importantes é, indiscutivelmente, a qualidade e a quantidade do sono. Existe uma relação de interdependência entre o sono e a obesidade, em que uma das patologias agrava a outra.
No século XXI, vivemos numa sociedade non-stop. Existem cada vez mais diversões e atividades laborais noturnas. A disrupção dos ritmos circadianos e o aumento do tempo de vigília predispõem à obesidade. Estarmos acordados mais tempo durante a noite aumenta as oportunidades para nos alimentarmos num horário não fisiológico, o que agrava a desregulação do organismo e potencia o total de calorias consumidas.
A alimentação é um dos mais importantes reguladores cronobiológicos e a desestruturação dos horários das refeições contribui para a sua alteração. O encurtamento das horas de sono está associado, em mais de 50 estudos científicos, ao desenvolvimento da obesidade, tal como o trabalho por turnos com atividades noturnas. Dormir menos de cinco horas por noite aumenta, significativamente, o risco de desenvolver obesidade.
Mas dormir apenas não é suficiente. A qualidade do sono é, também, fundamental. O mais importante distúrbio do sono é a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Os doentes que sofrem desta patologia apresentam um estreitamento das vias aéreas, que se exacerba durante o sono e não permite que este seja reparador.
Habitualmente, estes doentes têm um ressonar grave e fazem períodos de apneia (paragem da respiração) que levam a microdespertares e a uma fragmentação do descanso. Esta privação de sono faz com que o organismo entre num modo de “lutar ou fugir” (um remanescente das noites atribuladas dos nossos antepassados que tinham de enfrentar predadores). Este contexto vai levar à libertação de diversas hormonas que estimulam o apetite e tentam aumentar as reservas energéticas, que podem a vir ser necessárias, mais tarde, numa emergência. De igual forma, a privação de sono durante a noite aumenta a sonolência diurna e a letargia (cansaço), o que dificulta a prática de atividade física regular. Assim, pelo aumento do consumo calórico, pela alteração metabólica associada à poupança energética e pela diminuição do gasto calórico relacionado com a inatividade física, as perturbações do sono contribuem para o desenvolvimento da obesidade.
Por outro lado, a obesidade também vai contribuir para o desenvolvimento da patologia do sono. Desde logo, a obesidade central é uma das principais responsáveis pelo estreitamento da via aérea associada à SAOS. Mais de 80% dos doentes com obesidade vêm a desenvolver SAOS e as alterações metabólicas mais comuns na obesidade (ligadas a diversos mecanismos de resistência à insulina), também contribuem de forma independente para o desenvolvimento de apneia do sono.
Diversos outros efeitos associados à obesidade também favorecem a má qualidade do sono, tais como dores osteoarticulares ou refluxo gastroesofágico, por exemplo. Estas patologias aumentam o risco de despertares noturnos, relacionados com dor, mal-estar ou indisposição. Existe também ainda outra associação tripla entre a obesidade, a doença do sono e a depressão. Todas estas patologias vão agravar a sintomatologia e a clínica das restantes. É mais provável que um doente com obesidade e depressão tenha um sono mau, da mesma forma que é mais comum que um doente com obesidade e que não consiga dormir adequadamente desenvolva depressão.
Um dos tratamentos mais eficazes para as doenças do sono é a perda de peso. Esta pode ser conseguida de diversas formas, dependendo dos objetivos clínicos. Pode ir desde a alteração do estilo de vida para os casos mais ligeiros, passando pela terapia nutricional estruturada, tratamento farmacológico ou endoscópico e culminando, nos casos mais graves, em tratamento cirúrgico. Dado que a perda de peso duradoura por métodos não cirúrgicos é muito rara, a maioria dos estudos que avaliam a resposta da apneia do sono à perda de peso, foram efetuados em pacientes submetidos a cirurgia metabólica. A perda de peso induzida pela cirurgia metabólica leva a uma melhoria da gravidade e sintomas da SAOS, cuja magnitude é diretamente proporcional ao peso.
Foi recentemente estimado, num estudo observacional, que para obter um efeito clinicamente relevante na apneia do sono seria preciso uma perda de peso superior a 65% do excesso registado. Para a maioria das situações clínicas, esta magnitude de perda de peso apenas é atingível com cirurgia metabólica.
Em resumo, três quartos dos doentes com obesidade e apneia do sono apresentam melhoria significativa ou remissão da apneia do sono após serem submetidos a cirurgia metabólica. Os mecanismos que levam a esta melhoria são dependentes do peso (diminuição da gordura visceral e melhoria da obstrução da via aérea; melhoria das dores osteoarticulares, redução do refluxo gastroesofágico; aumento da capacidade de praticar exercício físico, etc.) e fatores independentes do peso (a regulação das hormonas intestinais, conseguida pela cirurgia, vai contribuir para a regulação do ritmo circadiano e permitir melhores noites de sono). Apesar de não existirem indicações específicas para o tratamento da obesidade em doentes com patologia do sono, o consenso verifica-se no sentido de que a perda de peso deve ser sempre recomendada. De acordo com as orientações internacionais, para doentes com IMC > 30 e patologia associada à obesidade, deve ser considerado o tratamento cirúrgico se existir falência de outras formas de terapias mais conservadoras.
A relação entre o sono e a obesidade é complexa e interdependente. Ambos os problemas têm potencial de melhoria com o tratamento do outro, pelo que é importante estabelecer um plano individualizado destinado a cada doente, que não esqueça os diversos componentes da doença. Não adianta aliviar os sintomas da patologia do sono, sem abordar a obesidade subjacente, já que o tratamento desta doença é a pedra de toque do controlo das patologias do sono na maioria dos doentes que apresentam ambas as comorbilidades.
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