
A habilidade de andar ereto sobre duas pernas, mais conhecida por bipedismo, é um marco da evolução humana. É certo que muitos primatas podem levantar-se e andar por períodos curtos, no entanto, apenas os humanos usam esta postura como modo primário de locomoção. Durante o crescimento de qualquer ser humano a aquisição da marcha acontece de forma gradual. Adquirimos a posição de sentar, gatinhamos, conseguimos atingir o equilíbrio de pé, para titubearmos no início de uma longa jornada em que a marcha em bipedestação nos distingue de outros seres vivos. Apesar de não valorizarmos a sua complexidade, caminhar implica a ação eficaz e coordenada dos sistemas neuronais dos núcleos da base, a regulação do tónus muscular e sequenciação motora e, simultaneamente, a integração sensorial de informações visuais, auditivas e proprioceptivas.
O envelhecimento ou a existência de comorbilidades, que condicionem a existência de alterações em qualquer dos sistemas que controlam a marcha, poderão determinar o aumento do risco de queda. Uma queda é definida pela Organização Mundial de Saúde como “um apoio não intencional no solo, chão ou outro nível inferior, excluindo alterações intencionais de posição para repousar em mobiliário, parede ou outro objeto”.
É inegável que o risco de queda é mais elevado na população idosa e constitui um evento com elevada morbilidade, sendo que 20-30% requer cuidados médicos, podendo delas resultar como consequências como fraturas dos membros superiores, vertebrais e da anca, traumatismos crânio-encefálicos, entre outras, que condicionam perda funcional significativa e institucionalização precoce e aumento de mortalidade. Assim, o grande foco deve ser na prevenção dos eventos de queda, o que requer uma intervenção multifatorial e a atenção de todos que contactam com as populações mais vulneráveis a estes eventos, desde a comunidade até aos múltiplos contactos nas instituições de saúde, sejam eles de âmbito ambulatório ou durante o internamento hospitalar.
A maioria dos episódios de queda ocorre no domicílio habitual do doente idoso, nas divisões mais frequentadas e no período diurno. No entanto, o meio exterior, com movimento de pessoas e veículos, pisos irregulares e escorregadios constitui um desafio para os idosos ou pessoas com alguma incapacidade para a marcha, com alguns estudos a reportar 33%-50% da ocorrência de quedas no exterior. Os fatores de risco de queda dividem-se classicamente em intrínsecos (relacionados com o estado físico e cognitivo do indivíduo - psicológicos e demográficos, alterações do equilíbrio/mobilidade, alterações sensoriais, patologias e terapêutica) e extrínsecos (relacionados com o meio ambiente ou as interfaces meio/indivíduo – ex. calçado, produtos de apoio, entre outros).
A existência de mais de dois episódios de queda nos últimos 12 meses, medo de cair ou a existência de uma queda da qual resultaram consequências lesivas, devem suscitar a referenciação para avaliação médica, de forma que seja feita a avaliação e correção dos fatores de risco e instituído tratamento. A integração em programas de reabilitação dos quais fazem parte ensinos relativos às medidas de prevenção de queda, reforço muscular e treino proprioceptivo que são eficazes na diminuição do risco de queda e no aumento da confiança e funcionalidade para a marcha.
De entre as medidas a adotar como preventivas ou de correção de risco de queda aumentado podemos encontrar: redução da medicação em doentes polimedicados; proporcionar programa de exercício personalizado; tratar a deficiência visual, a hipotensão postural e as disritmias cardíacas; suplementar com vitamina D; corrigir problemas podológicos e do calçado (preferencialmente calçado fechado e com apoio no calcanhar); cuidados no vestuário (evitar vestuário demasiado comprido e largo); modificar o ambiente doméstico: retirar ou fixar tapetes, verificar as fontes de luz nas zonas de passagem e luz de presença, retirar obstáculos em zonas de passagem e privilegiar a existências de pontos de apoio nestas áreas, tapete anti-derrapante no banho, poliban, etc.; promover a utilização de auxiliares de marcha quando necessário (ex. bengala); evitar percursos em períodos ou áreas com afluência elevada de pessoas ou veículos; proporcionar educação e informação.
Todos somos agentes ativos de mudança em sociedade, particularmente quando trabalhamos em instituições de saúde e contactamos com populações vulneráveis do ponto de vista de saúde. Cabe a cada um de nós estar atento, identificar riscos e dar o primeiro passo no sentido da prevenção da queda, porque o esforço conjunto de a evitar será incomparavelmente menor que aquele que será necessário para abordar as suas consequências.
Um artigo do médico Vítor Brás da Silva, Médico especialista em Medicina Física e de Reabilitação e Coordenador da Lusíadas Sport.
Comentários