Nesta entrevista, o Prof. Miguel Melo, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, explora o papel crescente da IA na monitorização contínua, autogestão e personalização do tratamento da diabetes. Desde a previsão otimizada dos níveis de glicemia até à otimização dos calculadores de bólus de insulina, a IA está a demonstrar um enorme potencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas com diabetes
Healthnews (HN) – De que forma a inteligência artificial está a ser utilizada na monitorização contínua e em rede do doente diabético?
Miguel Melo (MM) – A inteligência artificial está a ser utilizada na previsão da evolução da concentração de glicose nas horas subsequentes. OS problemas fundamentais que dificultam a previsão são a variabilidade interindividual (a glicemia varia de forma diferente em cada pessoa) e interdiária (as excursões glicémicas da mesma pessoa variam de dia para dia em função de vários fatores). Os algoritmos de inteligência artificial permitem ao sistema «aprender» como variam as glicemias de uma determinada pessoa ao longo do tempo, levando a previsões dos valores da glicemia muito mais precisas.
HN – Quais os principais benefícios que a IA pode trazer na autogestão da Diabetes pelos próprios pacientes?
MM – Ao nível da autogestão, um dos impactos é precisamente a previsão otimizada dos valores da glicemia nas horas subsequentes. Isto permite à pessoa tomar ações específicas, quer para prevenir uma hipoglicemia, quer para mitigar uma hiperglicemia que se esteja a instalar. Em combinação com a previsão dos valores da glicemia, a inteligência artificial permite também a otimização dos calculadores de bólus de insulina rápida administrada antes das refeições ou para corrigir uma hiperglicemia. Aqui, é também fundamental que o sistema «aprenda» o que acontece com as excursões glicémicas em situações semelhantes, permitindo uma otimização do cálculo das doses de insulina.
Para além disso, os sistemas baseados na inteligência artificial podem potenciar toda a educação terapêutica, a qual passa a ser individualizada. Os sistemas de apoio à decisão clínica estendem-se também ao estilo de vida, nomeadamente à alimentação e à prática de exercício físico.
HN – De que modo a integração de IA nos sistemas de saúde pode ajudar na personalização dos tratamentos para pessoas com diabetes?
MM – Passando aqui para a perspetiva dos profissionais de saúde, a integração da IA nos sistemas de saúde será uma das pedras basilares da personalização do tratamento. Os sistemas de apoio à decisão clínica para profissionais de saúde baseados em IA reconhecem, de uma forma muito mais eficiente, padrões e particularidades específicas de uma determinada pessoa, podendo sugerir atitudes terapêuticas com base nas respostas prévias daquela pessoa e de outras com características comparáveis.
HN – Quais os principais desafios enfrentados na implementação de IA para o diagnóstico precoce e prevenção da Diabetes?
MM – O principal desafio é a resistência à implementação da IA, sobretudo por parte dos profissionais de saúde. Nestas duas áreas, a IA já demonstrou eficácia de uma forma preliminar. No entanto, a IA, à semelhança de muitas outras tecnologias disruptivas, enfrenta alguma resistência à sua implementação, sobretudo por parte dos profissionais de saúde, que a olham com desconfiança. De facto, os clínicos estão muito formatados para a necessidade de demonstrar eficácia e segurança em ensaios clínicos aleatorizados que preencham critérios robustos de qualidade. Acontece que, na diabetes, são muitas vezes as pessoas com esta doença as primeiras a procurar e a utilizar a tecnologia, conduzindo os profissionais de saúde «a reboque».
HN – Existem exemplos de investigação e desenvolvimento em Diabetes que têm sido impulsionados pela Inteligência Artificial?
MM – Sim, em várias áreas. A mais visível de todas diz respeito às bombas infusoras de insulina com ajuste automático das doses. Aqui, têm um papel crucial não só a previsão da evolução do valor das glicemias, mas também a avaliação da resposta previsível à administração de uma quantidade específica de insulina.
HN – Como vê o papel da IA na melhoria da produtividade e eficiência dos processos automatizáveis na área da saúde, especificamente na monitorização de doentes diabéticos?
MM – A IA melhorará consideravelmente a produtividade e eficiência dos sistemas de monitorização, sobretudo através da previsão das excursões glicémicas futuras. Um dos problemas atuais ainda é a dificuldade em prever a evolução da glicemia nas próximas horas, impedindo ajustes terapêuticos atempados. Por outro lado, muitas pessoas queixam-se da falta de precisão dos alarmes de hipoglicemia e de hiperglicemia, levando a que desligam os alarmes. A melhoria da previsão com IA permitirá otimizar todo o processo, potencialmente melhorando a utilização dos alarmes.
No futuro, a IA poderá também estar na base de uma análise dos valores da glicemia mais profunda e detalhada, levando à emissão de outro tipo de alarmes, como risco aumentado de uma complicação.
Entrevista de Miguel Mauritti
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