HealthNews (HN) – O LIVRE apresenta-se aos portugueses com o lema “Contrato com o Futuro”. Esse contrato rompe com as políticas anteriores ou continua a reforma iniciada pelo Governo socialista recentemente?

Raquel Pichel (RP) – O nosso programa chama-se Contrato com o Futuro, e começamos com uma frase que é: “Perante o medo, a esperança”. Isso é transversal a todas as áreas em que apresentamos as nossas medidas. Na área da saúde, acreditamos que é preciso continuar a reforma do SNS, e vamos, claro, observar atentamente o alargamento do modelo de ULS. Portanto, um dos principais pontos que defendemos é reforçar e reorganizar o Serviço Nacional de Saúde. Defendemos que compete ao Estado assegurar a proteção da saúde, que esta deve ser universal, gratuita e adequada às características da população em todo o território.

Sim, defendemos o SNS como principal prestador dos cuidados de saúde, mas compreendemos que a sua ação pode ser complementada pelos setores privado e social, nas áreas onde se considera que não há recursos que permitam garantir uma resposta adequada do SNS por si só, sendo que esta relação deve ser transparente, honesta e regulada – algo que achamos que tem de ser significativamente melhorado face às políticas que têm estado em vigor, e sempre no sentido da capacitação da oferta pública.

HN – O que é que propõem para os cuidados de saúde primários e hospitalares?

RP – Relativamente aos cuidados de saúde primários, nós queremos cuidados de proximidade fortalecidos, não só com médicos e enfermeiros, mas também com outros profissionais de saúde e assistentes técnicos. E concretamente, em termos de cuidados de saúde primários, algumas medidas que defendemos são: a redução do número de utentes na lista de cada médico de família, para 1500 utentes por médico; queremos garantir a todas as pessoas em Portugal um médico de família. Para tal, achamos necessário garantir condições de atratividade e de funcionamento, para que os profissionais se sintam atraídos e convencidos a permanecer no SNS, tendo todas as condições para exercer o seu trabalho o melhor possível.

Relativamente à área hospitalar, reiteramos que é necessário continuar esta reforma e reorganização do Serviço Nacional de Saúde, com o alargamento das Unidades Locais de Saúde a todo o território nacional, acompanhado por um modelo de gestão integrada dos centros hospitalares, nomeadamente dos Agrupamentos de Centros de Saúde, da Rede Nacional de Cuidados Continuados. Ou seja, tudo isto estar integrado para que consigamos avaliar e, também, a partir daí corrigir e fornecer os melhores cuidados possíveis.

Na área hospitalar, também é importante falar sobre os serviços de urgência. Queremos garantir que há um funcionamento em rede dos serviços de urgência de forma acessível a toda a população, cumprindo com os rácios necessários de profissionais de saúde para que possam ser prestados cuidados de saúde de qualidade, e que comece com os serviços de urgência básica em centros de saúde, aliviando a pressão a jusante, nos cuidados hospitalares. Neste ponto também há várias medidas específicas, como alterações e gestão das equipas e da contratação de profissionais.

HN – Falam em nutrição, saúde mental, saúde oral no SNS, entre outras áreas.

RP – Como mencionei na vertente dos cuidados de saúde primários, queremos incluir nas equipas profissionais e técnicos de diversas áreas que achamos essenciais, uma vez que um dos principais pilares que defendemos é promover a saúde e prevenir a doença. Achamos que isto deve ter uma abordagem integrada, não só diretamente através dos prestadores de cuidados de saúde, mas também através da integração desta área em todas as outras: defendemos a saúde em todas as políticas. E, não esquecendo o nosso pilar ecologista, reconhecemos também que a emergência climática e as crises ambientais têm um enorme impacto na saúde, e queremos, claro, preparar-nos para essa realidade.

HN – Ao longo do programa, mencionam algumas vezes as métricas e recompensas. Para o LIVRE, esta é uma boa forma de melhorar os cuidados? Alguns médicos têm alertado para o perigo de alguns indicadores nas USF. Dizem mesmo que podem colocar os doentes em perigo, no que diz respeito, por exemplo, à prescrição de exames.

RP – O ponto das métricas e recompensas aborda muito a questão de redefinir esses objetivos, com métricas claras que melhorem o estado da população, sempre através da prestação dos melhores cuidados de saúde. A recente revisão do modelo de financiamento das USF modelo B é bom exemplo do caminho que não devemos seguir. Ou seja, é importante avaliar e redefinir essas métricas.

Nós defendemos logo no início da legislatura que é importante haver um diálogo entre as mais diversas partes envolvidas, desde profissionais de saúde, nos seus sindicatos e ordens profissionais, a instituições que prestam os cuidados de saúde, associações de doentes e de estudantes das áreas da saúde. Portanto, juntar todos num diálogo abrangente para que se possa chegar efetivamente a conclusões, nomeadamente de quais seriam as métricas claras que beneficiariam os cuidados de saúde para, se promovermos o cumprimento destes objetivos, podermos pensar numa recompensa profissional e institucional.

HN – As listas de espera para consultas, exames e cirurgias são também uma preocupação do LIVRE? O partido procurará melhorar os resultados que temos atualmente em Portugal?

RP – Sem dúvida que a resposta às listas de espera integra em grande parte a resposta do Serviço Nacional de Saúde que nós queremos reforçar. Achamos que estas medidas que temos, que investem e que querem valorizar e reforçar o nosso Serviço Nacional de Saúde, se vão concretizar numa melhor resposta à população e, diretamente, diminuir esses tempos de espera.

HN – O primeiro eixo prioritário do programa do LIVRE é: reforçar e reorganizar o SNS. Quer explicar melhor como tencionam fazê-lo?

RP – Reforçava um ponto que mencionei: é necessário auscultar todas as partes para que possamos fazer este trabalho em conjunto e, efetivamente, chegar a bons resultados. Acompanhar o alargamento do modelo de ULS a todo o território, como referi, enquanto tornamos o acesso a cuidados de saúde mais fácil e equitativo, aumentando o financiamento do SNS e renovando e reabilitando as suas infraestruturas.

HN – Em segundo lugar, falam em valorizar as carreiras. De que forma vão concretizá-lo e conseguir competir com as ofertas aliciantes do privado ou do estrangeiro?

RP – Como temos vindo a mencionar, é preciso conhecer essas ofertas para estarmos em pé de igualdade, haver uma concorrência justa, para que possamos, sabendo esses valores, chegar, através de negociação, a uma remuneração que garanta ordenados dignos aos nossos profissionais de saúde. Esse é um dos pontos: a revisão da remuneração de todos os profissionais de saúde.

Mas achamos que não é só a remuneração que importa. É necessário, também, cuidar dos nossos profissionais; damos prioridade à saúde mental dos portugueses e dos profissionais de saúde que prestam os cuidados. Paralelamente com a melhoria da remuneração, é importante implementar políticas que combatam o burnout dos profissionais de saúde. Desde a pandemia, notamos que existe uma exaustão dos profissionais, que exige um reconhecimento do seu valor com medidas que respondam aos seus apelos.

E não podemos fugir ao óbvio: aumentar salários e rever carreiras (e melhorar o regime de dedicação plena de médicos, pensando em alargá-lo a outros profissionais do SNS), porque um SNS robusto só o é com todos e todas as profissionais que o compõem.

HN – Pretendem também humanizar os cuidados de saúde. O que é que isso implica?

RP – O LIVRE acredita que as pessoas com doença devem estar no centro dos cuidados, independentemente de quem seja o prestador, e, portanto, esta parte de humanizar os cuidados de saúde assenta em garantir cuidados de saúde mais próximos e livres de qualquer tipo de discriminação. Já falámos nalguns pontos nas Unidades de Saúde Familiar, mas também implica uma melhor resposta nos cuidados domiciliários, cuidados paliativos e continuados são também essenciais nesta humanização, entre outros pontos, nomeadamente envolvendo pessoas idosas ou noutra situação vulnerável que seja necessário considerar.

HN – Cuidados continuados e paliativos e envelhecimento da população são temas que preocupam os portugueses. De que forma trabalhará o LIVRE para garantir cuidados para todos? Têm medidas concretas e importantes nesta área?

RP – Sim. Achamos que é essencial reforçar as equipas de cuidados paliativos, com um foco em cuidados paliativos de proximidade, de preferência que possam ser fornecidos em casa dos doentes, garantindo a dignidade e o respeito da vontade de cada um no fim de vida. Isto interliga-se também com a questão de pessoas idosas ou das pessoas em situação vulnerável. Queremos que elas também consigam manter, dentro do possível, a sua autonomia e permanecer nas suas casas se assim for a sua vontade, evitando uma ida desnecessária para lares ou outras instituições. Nisso, temos de facilitar as condições, acompanhar os familiares e reforçar e agilizar o acesso ao estatuto do cuidador informal.

HN – Que relação entre público e privado defende o LIVRE?

RP – Comecei por dizer que nós defendemos o Serviço Nacional de Saúde como o principal prestador de cuidados. Reforço essa afirmação, que é efetivamente importante e é a nossa visão. No entanto, achamos que a sua ação pode ser complementada pelos setores privado e social nas áreas onde não há recursos que permitam o SNS, por si só, dar uma resposta adequada aos seus utentes. Aí, é importante que se mantenha uma relação de transparência, honestidade e uma maior regulação.

Em concreto, uma das medidas que propomos é não renovar os contratos das Parcerias Público-Privadas, tendo em conta que devem ser assegurados os cuidados às populações que estão abrangidas por essas instituições.

HN – Quais são as ideias do LIVRE para a prevenção?

RP – É um dos eixos fundamentais do nosso programa, promover a saúde e prevenir a doença. Prevenir a doença também trará menores gastos. Sabemos que por cada euro gasto em prevenção conseguimos poupar em média 10 euros em gastos com doença, portanto não é só uma medida para o melhor da saúde dos portugueses; também em termos financeiros é muito mais sustentável.

Nesse sentido, a questão da saúde ultrapassa os estabelecimentos onde se prestam os cuidados de saúde. Áreas de intervenção política que nós abordamos no nosso programa, como diminuir o risco de pobreza, combater as desigualdades, garantir o acesso à habitação, entre outras que garantem uma completa concretização de cada um, são também importantes para a prevenção.

HN – Na saúde, qual deverá ser o papel da academia e da investigação científica? Que medidas apresentam para as promover?

RP – Uma das medidas que mais cria essa ligação que queremos implementar é o estatuto do clínico-investigador, que permite essa articulação entre a atividade clínica e a investigação científica, facilitando horários para que esse profissional se possa dedicar também a projetos de investigação, que permitam afirmar as nossas instituições de saúde como lugares onde se produz conhecimento científico.

Isso pode fazer de Portugal e dos centros hospitalares portugueses (é um dos nossos objetivos) centros de referência para investigação, que alguns já são, o que também permitirá captar investimento. E, assim, esta dedicação à investigação científica pode favorecer a remuneração dos profissionais.

HN – O capítulo da saúde termina com a saúde mental. Falta mudar muita coisa em Portugal? O que é que o LIVRE pretende que seja feito?

RP – Portugal tem um grave problema de saúde mental porque podemos dizer que acordámos um bocadinho tarde para esta questão, agravada também pelos anos de pandemia. Consideramos que é essencial investir na saúde mental, promover a saúde mental e prevenir a doença mental, sendo que há várias particularidades nestes doentes e no acesso a cuidados de saúde mental que temos de melhorar.

É preciso melhorar e aumentar os serviços de saúde mental que prestamos aos nossos utentes. Podemos começar logo pela referenciação para profissionais de Saúde Mental, que hoje se esgota na Medicina Geral e Familiar praticada em centros de saúde, mas que pode ser agilizada através de profissionais em lares, em creches ou nas escolas, por exemplo. A introdução de outros profissionais nos cuidados de saúde primários, nomeadamente psicólogos e enfermeiros de Saúde Mental, é muito importante. Mas não só através da prestação de cuidados diretamente por profissionais de saúde e nas instituições de saúde; também a sensibilização para a saúde mental, que ainda tem um grande estigma associado, através de campanhas direcionadas à população.

Entrevista de Rita Antunes