Há já demasiados anos que está feito o diagnóstico da necessidade de aumentar a literacia em saúde. Feito esse diagnóstico há, obviamente, que aplicar a necessária “terapêutica” que, como qualquer outro diagnóstico realizado em situações complexas, requer obrigatoriamente abordagens, preferivelmente, não só transdisciplinares, mas igualmente multidisciplinares.

De facto, a capacidade para tomar decisões em saúde, fundamentadas, pode proporcionar um acréscimo do relativo controlo que todos deveriam adquirir em contexto de direito à saúde e, mais ainda, o aumento da capacidade para a procura de opções e escolhas que todos podemos (e devemos) fazer. Mas a tal respeito, muitas questões se podem colocar, designadamente:

Será para isso apenas necessário apenas a aquisição de informação sobre as doenças e, muitas vezes, “fatiada” por especialidades médicas tantas vezes proposta?

Esgotar-se-á essa capacidade na prevenção das doenças, com enfoque naquelas com perfil crónico da sua evolução e centradas, eletivamente, nas doenças cerebrovasculares e cancro, incluindo as que para isso contribuem?

Esgotar-se-á essa capacidade, essencialmente, numa melhor acessibilidade aos prestadores de cuidados e não exclusivamente aos cuidados urgentes ou emergentes?

Será a saúde apenas a ausência de doença, para além da evocação da definição de todos conhecida?

Poderá reduzir-se o “empoderamento” dos cidadãos em saúde apenas à informação em saúde?

A autonomia nas escolhas terá a importância que deveria ter? ou o “empoderamento” esgota-se, no essencial, na capacitação?

O conforto e o bem-estar farão parte do conceito de saúde? em caso afirmativo, serão dados a esses aspectos suficiente importância?

Será suficiente apenas o empenho em rastreios, perspectivando o diagnóstico precoce?

A saúde não exigirá um forte acréscimo não só de informação, mas de competências sociais, para além das cognitivas?

A promoção (e, mais ainda, a manutenção) de uma boa saúde deve exigir, acima de tudo, uma enorme responsabilidade individual, e também colectiva, de assumir opções e escolhas responsáveis, qualquer que seja o modelo organizacional de prestação de cuidados. Tais opções e escolhas não se esgotam na aquisição de informação sobre as doenças, mas, outrossim, na aquisição de um conjunto de competências cognitivas e sociais que possam incrementar a capacidade das pessoas não só ganharem acesso, mas, acima de tudo, compreenderem e usarem essa informação, de forma autónoma e responsável.

E a componente mais positiva da saúde? Será que o bem-estar não contribui para a saúde? A “literacia em doença” será sinónimo de “literacia em saúde”? O tempo vai passando, mas a abordagem mais frequente nos aspectos da literacia continuam a centrar-se na, anteriormente, denominada “educação para a saúde” e, mesmo assim, reiteradamente baseada na informação sobre algumas doenças crónicas mais associadas à sua importante morbilidade e mortalidade. Será apenas isso sinónimo de literacia em saúde?

O “empoderamento” em saúde, isso é certo, exige maior literacia que não se esgota na informação sobre as doenças crónicas mais prevalentes e nos aspectos gerais da sua prevenção. Ou, dito de outra forma, Literacia em doença é condição necessária, mas não suficiente para a Literacia em Saúde!